Já serão muitíssimo poucos aqueles que, ainda no “ativo”, estiveram ligados à cobertura jornalística e/ou comentaram todas as eleições presidenciais desde o 25 de Abril, ou seja, desde 1976 até hoje. De repente, para ser sincero, além de mim próprio lembro-me do Marcelo Rebelo de Sousa. Do Marcelo, porém, apenas até certa altura de 2016, quando deixou de ser comentador, que numerosas vezes dessas presidenciais falou, para passar a ser candidato. Ainda comentador, aliás, pronunciou-se até sobre o líder do seu partido, Passos Coelho (PC), ter afastado a possibilidade de o PSD apoiar um candidato com um perfil de “protagonista catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes ou num cata-vento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político”. Que era ele, Marcelo…
Se trago isto à colação é para afirmar, com conhecimento de causa, que nenhuma eleição presidencial suscitou tão pouca atenção e despertou tão pouco interesse como a deste ano. Sobretudo por força da pandemia, que concentra a preocupação das pessoas e se sobrepõe a tudo o resto, e haver na prática um vencedor antecipado. Pandemia que, impossibilitando muitas ações de campanha, dá ainda mais importância às entrevistas e debates com os candidatos nas televisões. Pelo que têm de servir para esclarecer o que cada candidato, se eleito, faria, nos limites dos poderes e competências que a Constituição lhe confere, quer nas suas atribuições específicas quer quanto às grandes questões nacionais.
Um número excessivo de debates, se sem qualidade (ou, pior, sem decoro) só contribui para os descredibilizar, tirar importância a cada um, redundando em prejuízo e não em benefício da democracia. E a qualidade − e utilidade − de entrevistas e debates exige, à partida, na perspetiva acima referida, tratar os temas de fundo e não assentar o foco em assuntos e “casos” polémicos, de política imediata.
Nas entrevistas é essencial fazer as perguntas certas e deixar o entrevistado responder − não interrompê-lo por sistema e sem critério, impedindo a formulação adequada de uma ideia até ao fim. Ora, por exemplo na RTP1, foi o que lamentavelmente vi acontecer… Já nos debates, o mínimo é haver um adequado guião de assuntos e distribuição de tempos, e o moderador não permitir que um candidato interrompa constante, agressiva e até malcriadamente o outro, não debata, antes dê golpes baixos. E foi o que fez André Ventura na TVI24, frente a João Ferreira, perante a confrangedora passividade, se não conivência, de uma dita “moderadora”.
Nada disto pode ser. E, sendo, a responsabilidade deve imputar-se também às direções de informação, que assim o desejam ou permitem. Mais debate, menos “debates” (de… bates). Nem todos podem ser tão bons jornalistas, nestas funções, como, por exemplo, o William Bonner, da TV Globo. Mas os jornalistas têm especiais responsabilidades cívicas, e no mínimo devem seguir orientações e regras que impeçam o pior… Pior, nestas presidenciais, que começa logo no boletim de voto: é inadmissível, escandaloso, que nele apareça um senhor que apresentou uma “candidatura” com meia dúzia de assinaturas quando se exige um mínimo de 7 500. Custe o que custar, isso não pode acontecer. Será uma vergonha se acontecer.
(Opinião publicada na VISÃO 1453 de 7 de janeiro)