Parecia inevitável e aconteceu mesmo. Depois de algumas semanas com um novo estado de emergência, em que se registaram descidas significativas em todos os indicadores da pandemia, uma semana de abertura bastou para inverter, de novo, a tendência anterior.
É bom recordarmos que o Governo acordou tarde para a 2ª vaga, deixando-a progredir sem grande controlo até ao dia 9 de novembro. Com o estado de emergência então decretado, foi possível iniciar um percurso de descida de novos casos, 15 dias depois, com ulteriores impactos positivos nos internamentos e nos óbitos, a partir de 7 de dezembro. Entre 23 de novembro e 27 de dezembro (cerca de um mês) a redução de novos casos diários foi superior a 53%, o que espelha bem a eficácia das medidas de confinamento então decididas.
As festividades do Natal e o aliviar das medidas conduziram a um aumento de novos contágios, esperado, é certo, mas não com a expressão brutal com que estamos a ser confrontados. Nas últimas duas semanas o aumento de novos casos foi de cerca de 130%, o de doentes em internamento 14% e os óbitos aumentaram 35%. As explicações são várias e já tinham sido descritas antes dos acontecimentos: compras de Natal, convívios familiares e deslocações intensas entre diferentes regiões do país, a que se acrescentaram os efeitos, ainda não suficientemente entendidos, da nova estirpe inglesa. Os resultados não podiam ser piores e os valores dos últimos dias, com mais de 10 mil casos diários, não deixaram ninguém indiferente. Batemos todos os recordes de novos casos, de internamentos e de mortes, que herdamos da 2ª vaga, numa espiral de ondas sucessivas em que a seguinte é muito pior do que a anterior.
E é aqui chegados que temos de nos focar nos antídotos para vencer o vírus. O primeiro, e decisivo, prende-se com a imunização da população, só possível com a vacinação rápida e em massa de todos os cidadãos. Este processo levará muito tempo e o percurso está minado por várias contrariedades que atrasarão o seu sucesso. O segundo prende-se com a necessidade de limitar, ao máximo, a mobilidade das pessoas, a única fonte conhecida da contaminação. É verdade que as medidas de higienização e de distanciamento ajudam muito a proteger as populações contra o vírus. Mas não são suficientes. Estava-se mesmo a ver que as enchentes nas grandes superfícies, nas pastelarias, nas estradas e nos convívios de Natal dariam este resultado, independentemente do esforço e atenção às questões da higiene e do distanciamento.
O confinamento, está provado em todos os países e também por cá, é assim a única medida de sucesso no combate à Covid-19. E aqui não devemos ter hesitações ou contemporização com outros interesses, neste contexto, menores. Que sentido faz comparar a necessidade de confinar a circulação das pessoas com a necessidade de manter a funcionar a liberdade de manifestação ou de realização de amplas reuniões partidárias? Que sentido faz comparar as vidas que se podem poupara com o confinamento, com o desfrute de um concerto musical ou de uma peça de teatro? Estas atividades podem esperar, coisa que a morte torna impossível.
É certo que as autoridades têm que olhar para as consequências económicas e sociais de medidas mais duras de confinamento. E estabelecer regras de compensação que permitam manter o tecido empresarial e os postos de trabalho. Foi o que o nosso governo já fez e parece querer reforçar nas próximas semanas. Mas não encarar esta questão com determinação e frontalidade, confinando em banho-maria, aqui sim mas ali não, estas horas sim, mas naquelas não, gera confusão e facilita a adaptação do vírus, que percebe muito bem como atuar em alternativa. Um confinamento generalizado, com as exceções já conhecidas quanto a bens essenciais e à saúde, parece-me ser assim a solução, urgente e sem contemplações. Desse modo conseguiremos poupar vidas, reduzir contágios, diminuir a atividade hospitalar e libertar a capacidade de resposta para os outros doentes, que entretanto esperam e desesperam.
Importará referir que Portugal não tem sido particularmente bem-sucedido na capacidade de contenção da propagação do vírus, desde o principio. Estamos hoje com cerca de 46 mil casos por milhão de habitantes, um dos valores mais elevados na Europa, e países como a Itália, Espanha, Alemanha, França ou Reino Unido, fortemente fustigados pelas consequências do vírus, apresentam taxas de infeção mais baixas. Mas também é bom recordar que apresentamos uma das taxas de letalidade mais baixas, hoje na casa dos 1,6%, quando todos aqueles países estão com taxas entre os 2 e os 3,5%.É aqui que continua a registar-se o “milagre” português, porque conseguimos manter a mortalidade em níveis controláveis. Basta referir que temos hoje 746 óbito por milhão de habitantes e aqueles países, com a exceção da Alemanha, apresentam valores entre 1.000 e 1.300 óbitos por milhão de habitantes. Uma nota aqui de elogio para o SNS e para os seus profissionais, na sua componente de prestação de cuidados, porque parece consistente o seu relevante papel no sucesso das terapêuticas e na poupança de vidas.
Infelizmente, e se nada de novo e mais robusto for determinado, podemos estar agora à beira do colapso dos nossos hospitais e de um crescimento impressionante de novos óbitos. Estes ocorrem sobretudo entre pessoas com mais de 80 anos (cerca de 70 %) pelo que faria sentido uma inflexão no programa vacinal que desse imediata prioridade a esta faixa etária, independentemente de esses cidadãos terem mais ou menos doenças relacionadas.