A primeira resposta, simples e direta, é que temos hoje muito mais infetados do que na primeira vaga e isso fez aumentar os óbitos necessariamente. Agora temos 8 vezes mais infetados por dia, mas, para algum consolo nosso, o número de óbitos aumentou apenas, e já é muito, 2,8 vezes. Ou seja, a taxa de letalidade baixou significativamente.
Portugal teve, na 1ª vaga, uma taxa de letalidade relativamente baixa no contexto da Europa Ocidental (EU a 15). Atingimos em junho a taxa mais elevada (4,36%) já com um número reduzido de óbitos, mas também de novos casos. Basta que estes (o denominador) baixem mais depressa para que aquela taxa suba. Ao mesmo tempo, os restantes países atingiram taxas de letalidade de dois dígitos (Bélgica, Reino Unido, França, Espanha, Itália, atingiram taxas entre os 14 e os 16%).
Com a 2ª vaga, a nossa taxa de letalidade baixou para 1,5%,no último mês, mas aqueles países apresentaram reduções muito mais expressivas, com valores hoje situados nos 3%. Ou seja, Portugal, apesar de continuar a manter uma taxa de letalidade mais baixa, teve uma evolução menos acentuada ( – 2,8 p.p.) enquanto aqueles países apresentam reduções muito mais significativas (entre 11 e 13 p.p.).
Isto significa que o comportamento de Portugal nesta pandemia tem sido muito mais uniforme ao longo dos meses. Poucos óbitos na primeira vaga, o que foi um comportamento exemplar e elogiado em todo o mundo, e agora mais óbitos, mas a um ritmo, ainda assim, inferior ao crescimento, esse sim exponencial, de novos casos, como acima já referimos.
Ou seja, chegamos a um aparente paradoxo, em que morrem mais portugueses com covid-19, mas a taxa de letalidade é agora mais baixa. Os novos casos aumentaram muito mais do que os óbitos e daí a diminuição da taxa de letalidade. Se o aumento de óbitos fosse proporcional ao crescimento de novos casos, isto é, se mantivéssemos a taxa de letalidade de junho (4,36%), teríamos hoje perto de 16000 óbitos a lamentar e não os cerca de 6000 que registamos.
As causas deste fenómeno são várias e passamos a enunciá-las:
1. Infetados mais jovens
A população mais jovem, abaixo dos 40 anos, é hoje, e ao contrário da 1ª vaga, a mais atingida pela infeção, com valores diários nunca inferiores a 42%. Estas faixas etárias apresentam taxas de letalidade insignificantes (abaixo dos 0,04%) e por isso a taxa de letalidade global baixa e o número de óbitos diminui face ao número de infetados;
2. Óbitos concentrados nas populações mais idosas
É um facto que tem marcado desde o início esta pandemia. As pessoas com mais de 80 anos têm representado sempre, desde abril, mais de 67% dos óbitos e as que têm entre 70 e 80 anos cerca de 20%. Esta consistência dos números dever-nos-ia concentrar esforços na proteção dos mais velhos, inclusivamente na determinação das prioridades para a vacinação. Infelizmente, não foi bem isso que aconteceu…
Mas quando olhamos para a taxa de letalidade por grupo etário, regista-se uma evolução positiva nas faixas de idade mais elevada. Na 1ª vaga, das pessoas infetadas com mais de 80 anos faleciam cerca de 21% e das que tinham entre 70 e 80 anos cerca de 12%. Pois bem, na 2ª vaga, esses valores baixaram, respetivamente, para 14 e 5%.
Apesar desta melhoria, o número de óbitos tem aumentado e vai ainda aumentar, porque o número de infetados diários nas faixas etárias mais velhas é ainda muito elevado. A título meramente exemplificativo, no dia 1 de setembro tivemos 14 infetados com mais de 80 anos e no dia 18 de dezembro 446. O número de óbitos previsível, resultante do dia 1 de setembro foi de 2,6 (taxa de letalidade de 18,91%) e do dia 18 de dezembro é de 61,5 (taxa de letalidade de 13,80%). Como se percebe, a baixa na taxa de letalidade está longe de poder compensar a atual incidência elevada de novos casos entre os mais idosos.
3. Resposta mais competente do SNS
A curva de aprendizagem dos profissionais de saúde, ao longo destes 10 meses de pandemia parece ter tido como corolário uma resposta mais eficaz aos doentes de maior risco ou mais graves. Não dispomos ainda de dados objetivos, contabilizados e públicos sobre o desempenho dos hospitais no tratamento destes doentes, mas há sinais que parecem evidenciar uma melhor abordagem do doente COVID, desde a manifestação dos primeiros sintomas até à eventual necessidade de internamento. O rastreio de novos casos, o aconselhamento clínico na fase inicial e a intervenção em caso de agudização, estão hoje melhor organizadas e as respostas farmacológicas e de apoio respiratório parecem ser hoje mais consistentes e consensuais. A diminuição significativa da taxa de letalidade nas populações mais idosas parece comprová-lo.
Uma nota final para explicar a discrepância temporal entre as curvas da incidência e as curvas da mortalidade. De facto, é natural que os óbitos comecem a aumentar algumas semanas depois do aumento dos novos casos e, depois, comecem a descer também mais tarde. A identificação de um caso, a sua avaliação clínica e o subsequente controlo, a eventual necessidade de internamento, o agravamento que pode ocorrer e o insucesso final, ou seja o óbito, é um processo que pode decorrer entre poucos dias e alguns meses, o que pode atrasar a ocorrência de óbitos e fazer com que estes coincidam com um período temporal já com poucos casos novos de infeção.
Percebe-se desta análise que a base do problema está na capacidade ou não de controlarmos novos casos de COVID -19. O seu aumento descontrolado provoca inexoravelmente mais óbitos, mesmo que a resiliência do SNS possa ser elevada. Se a isto adicionarmos as novas versões de SARS – Cov 2 que se aproximam, ficamos plenamente conscientes da importância do confinamento nesta fase de comemorações natalícias. Sacrifiquemos agora para garantir o futuro.