Na última semana, a TAP voltou às notícias com a contestação dos trabalhadores ao seu plano de reestruturação. Era um facto mais ou menos previsível, levando em conta a forma como o Governo resolveu intervir na empresa. Ou seja, primeiro fazer declarações grandiloquentes e pagar; depois, discutir os detalhes, ou seja, decidir o que realmente se vai fazer.
Esta forma de tomar decisões é, infelizmente, crónica em Portugal.
Basta pensarmos na quantidade de planos de desenvolvimento e visões estratégicas que já vimos ao longo dos anos. Quase sempre com intenções muito virtuosas, mas muito abstratas no que toca às suas aplicações. Por exemplo, sobre a aplicação dos fundos europeus de resposta à pandemia, também não tivemos falta de visões, estratégias e planos. Mas, quando olhamos para o que em concreto se decidiu fazer, a verdade é que vamos sobretudo gastar dinheiro público no setor público.
Atualmente, todos falam da aposta na ferrovia, e o Governo anuncia até que o tempo das autoestradas terminou. O problema é que o tempo de pagar as autoestradas só vai terminar em 2040. Enquanto Portugal não perceber que as estratégias de investimento não podem ser decisões de grandes obras tomadas em gabinetes ministeriais, estaremos condenados a ser um país em que as estratégias duram menos de metade do tempo que demora a pagá-las.
Há mais exemplos. A descentralização era considerada pelo Governo a maior reforma da legislatura anterior e devia estar completamente executada no princípio de 2021. Na prática, nunca ninguém foi capaz de explicar que organismos iriam deixar de ser necessários na administração central (e consequentemente extintos) com a passagem de competências para os municípios. A transferência das principiais competências – Saúde, Educação e Ação Social – tem sido adiada. E a tal grande reforma de descentralização da legislatura transformou-se na nomeação de comissários políticos negociados entre PS e PSD para a direção das CCDR.
O padrão é quase sempre o mesmo. Começa cheio de intenções consensuais, mas acaba com mais dinheiro público atirado para cima dos problemas.
Quanto à TAP, convém lembrar algumas coisas. A reversão da privatização da companhia foi uma medida emblemática do Governo socialista. Nessa altura, afirmou ter recuperado o controlo estratégico da companhia (que passava, e passou aliás, pela nomeação de administradores) ao mesmo tempo que perdia direitos económicos e assumia mais responsabilidades na capitalização e no financiamento. O Tribunal de Contas concluiu sobre estas mudanças contratuais que elas deixaram o Estado mais exposto se algo corresse mal na transportadora.
Curiosamente, ao longo dos anos que se seguiram, este controlo e estes administradores nunca pareceram ser suficientes de cada vez que surgia alguma queixa ou algum problema com a TAP (a começar pelo desinvestimento no Porto). Até que, à boleia da pandemia, o Estado ficou de facto com uma fatia maior do capital social.
Em relação à TAP, duas certezas temos para já: há uma injeção de 1 200 milhões de euros prevista este ano, e mais 500 milhões previstos para o ano que vem.
Nas palavras do ministro que tutela a TAP, ela “é do povo português para o bem e para o mal”. Ora, para lá da bravata ideológica um tanto disparatada, o que me parecia essencial era termos sabido que bem e que mal são estes antes de termos gasto 1 200 milhões de euros. O dinheiro público é um bem escasso, sobretudo no nosso país que tem uma carga fiscal substancial e uma fiscalidade empresarial pouquíssimo competitiva. Por isso, antes de gastar mais um tostão, há duas perguntas fundamentais que têm de ser respondidas, e nenhuma tem nada que ver com o facto de a TAP ser pública ou privada. A primeira é se a TAP manterá um hub nacional e continuará a ser um ativo estratégico em voos transcontinentais, assegurando o seu papel crucial para o turismo. A segunda é quanto tudo isto vai custar e de que vai o País abdicar para o poder pagar.
(Opinião publicada na VISÃO 1449 de 10 de dezembro)