Se há certeza que tenho depois da aprovação deste Orçamento do Estado é a de que o Governo sai desta maratona mais fragilizado do que nunca e é – paradoxalmente, porque o orçamento foi aprovado – o grande derrotado deste processo.
António Costa já tinha queimado, no verão, todas as pontes à sua direita. A forma como afastou o PSD de qualquer solução (e, portanto, de qualquer obrigação) no quadro da negociação de um orçamento de crise (“no dia em que a sua subsistência depender do PSD, este Governo acabou”) terá sido um dos maiores erros táticos que o primeiro-ministro cometeu em todo o processo. Rui Rio limitou-se a oficializar, agora, (e convenhamos que compreensivelmente) o fim de qualquer hipótese de entendimento estruturante entre os dois partidos. Mas foi Costa quem, antes disso, entregou, de forma gratuita, todo o poder negocial à esquerda.
O divórcio do Bloco de Esquerda, por seu lado, foi azedo e expôs algo que era já evidente: a relação do primeiro-ministro (não necessariamente de todo o PS) com o Bloco sempre foi muitíssimo difícil. Ao contrário do que acontece com o PCP, nunca houve ali nada para além de um mero casamento de conveniência. Nunca houve respeito, nunca houve confiança, nunca houve consideração. Não será fácil recuperar a relação. Até porque nada faz prever que a situação económica e social vá melhorar durante o próximo ano, o que seguramente não será um incentivo para que o Bloco – que revelou, em todo este processo, um oportunismo cínico, que só terá surpreendido os mais distraídos – seja tentado a reaproximar-se do executivo.
Finalmente, nada garante que o PCP se disponha a continuar a segurar o Governo. O partido deu uma inegável prova de força, fez questão de mostrar que é o PS que está dependente do PCP e não o contrário, teve vários ganhos de causa (dispensa do IRC por conta para as PME, aumento das pensões em janeiro, prolongamento por mais seis meses do subsídio de desemprego, contratações de médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, entre outros), sem que isso o tivesse minimamente inibido de participar, com desplante, em várias coligações negativas contra o Governo. Mas, isto dito, está muito longe de ser claro que, apesar da força exibida, o partido tenha muito a ganhar em continuar a dar a mão ao Governo, num quadro que tem sido de erosão acelerada dos seus resultados eleitorais, num ano de importantíssimas autárquicas, e numa conjuntura social que será cada vez mais desfavorável ao executivo.
É óbvio que em política não há impossíveis. A verdade é que, até à Festa do Avante!, poucos apostariam neste desfecho. Era o PCP que parecia irremediavelmente fora do arco da governação e era o Bloco que parecia condenado a estender a mão ao Governo. Não será impossível mais um golpe de teatro. E, portanto, o PS pode ainda vir a aprovar mais um orçamento. Mas há algo que ficou meridianamente claro: a manutenção do PS no poder só se fará nos termos e nas condições exatas de quem se dispuser a salvá-lo.
O PS já não governa, mas não estou seguro de que o tenha percebido.