No princípio foi a paz e a concórdia. A trégua na trivial luta político-partidária. O sentido da “responsabilidade”, talvez estimulado pelo medo ou pelo temor. No princípio foi a conformidade com o que a gravidade da situação e o interesse nacional impunham. Verificando-se um certo comedimento dos média e opinadores mais dados ao dislate, ao excesso ou à exibição da ignorância. Um certo silêncio dos que pregam a menorização ou o apagamento do Estado, em (quase?) tudo, da Saúde à Educação: um certo silêncio, decerto envergonhado, porque quando explodiu a pandemia foram os por eles negregados serviços públicos que a contiveram. Em especial o Serviço Nacional de Saúde, suspeitamente antes atacadíssimo − mas que apesar de não tão apoiado e provido de meios como desejável, foi quem fez frente à pandemia e a conteve em limites sustentáveis.
O que ocorreu entre nós aquando dessa 1ª vaga da pandemia foi o menos mau possível, mormente quando comparado com o que sucedeu na maioria dos outros países, desde os EUA e o Brasil aos europeus. Nessa altura falou-se até, lá fora, na linha de exageros frequentes, cá dentro, do “milagre português”. Para o que concorreu, de par e ainda mais do que atrás sugeri, desde o trabalho devotado dos profissionais de saúde à qualidade de intervenção e à perfeita sintonia entre o Presidente Marcelo e António Costa/Governo. Neste havendo de destacar, pela ordem natural das coisas, a ministra da Saúde, Marta Temido, a diretora-geral e os respetivos serviços − que no entanto, com a melhor intenção, fizeram o que não deviam ter feito e a prazo pagaram: aparecer de mais, diariamente, com o intuito de dar toda a informação e os “conselhos” pertinentes.
Trago isto à colação dado haver tantos tão esquecidos em tão pouco tempo. E que, face à explosão de uma 2ª vaga mais violenta do que a 1ª (e a atingir-nos mais, como a outros países menos afetados pela inicial), esqueceram as suas responsabilidades − enquanto políticos, profissionais, cidadãos − e de forma mais ou menos radical mudaram de atitude. Não, como legítimo e positivo, fazendo críticas esclarecidas e sustentadas, apresentando alternativas, mas num constante ataque, numa permanente desvalorização ou pelo menos num pertinaz corroer na confiança de tudo o que é feito ou proposto. Erros, claro que os houve, decerto muitos, e não podia deixar de haver. O que não se pode é considerar sempre “erro” o que constitui, entre outras, uma opção séria, avalizada por especialistas, em domínios nos quais ainda há muito mais desconhecido ou dúvidas do que certezas.
No princípio foi… repito o que disse no início. Agora, face à situação da pandemia e do País, não há razão para deixar de o ser, pelo contrário. Para vencer a vaga.
*Uma pequena amostra. Costa disse: “Ficaria muito surpreendido se no Natal não houvesse estado de emergência.” Um jornalista, da direção de informação de um canal televisivo, critica-o por não ser claro, afirmativo: devia ter dito “provavelmente o Natal será muito mais difícil este ano”… E sobre o realizar-se o Congresso do PCP comentou que o primeiro-ministro “respondeu com o pior argumento possível: a lei”! Garanto que não estou a inventar.
(Opinião publicada na VISÃO 1447 de 26 de novembro)