Talvez seja verdade, como diz Sérgio Sousa Pinto, que sem a geringonça de esquerda não haveria geringonça de direita. Eu gostava de acreditar que assim é ou, ainda melhor, que não vai ser preciso fazer o teste para lá dos Açores. Que foi uma vez sem exemplo.
Infelizmente, tudo indica que a coisa foi desejada e que o absurdo ganhou raízes. As coisas em política são o que parecem e a direção do PSD sabe bem o sinal que deu. Nos Açores, apesar de o resultado não ser mau, o Chega não tinha como condicionar a formação de um governo do PSD. Os seus dois deputados, sabiam todos, não aceitariam impedir a mudança. O PSD podia ter ficado igualmente com o poder e cantar vitória também sobre o Chega em vez de o legitimar como parte da solução.
Para quem sugere que precisa de antecipar o crescimento de um adversário, parece infantil perder um xeque-mate tão fácil. Não pode ter sido por acaso. É “preparação” para algo que se quer repetir mais à frente.
Durante os dias que se seguiram, a direção do PSD ocupou-se, aliás, a defender o Chega mais do que alguma vez fez com os parceiros de décadas. E, no passado fim de semana, um prestimoso inquérito pelas “bases”, conduzido através dos dirigentes distritais, explicou um PSD disponível para um conformismo e relativismo moral que faz parecer que o Chega conseguiu mesmo vender-nos a pele do urso antes de o matar.
Aceitar esta parceria é, pelos vistos, com exceção de meia dúzia de almas sem votos no aparelho, matéria de consenso e união no PSD…
Voltando ao princípio, as geringonças não são projetos políticos, são maneiras de satisfazer a clientela da máquina de pessoas que elege os dirigentes partidários e o respetivo líder. Acontece que o chefe, por inerência de funções, está sempre dependente de uma condição de sucesso que nunca apoquenta especialmente os dirigentes intermédios.
Por isso, António Costa, depois de expulsar Seguro e de perder as eleições para Passos Coelho, tinha de arranjar maneira de satisfazer um partido que não perdoaria ficar fora do poder, nome que, com pouco rigor, se dá àquilo que acaba por acontecer. No PSD, quando se diz que Rio está agora “ávido de poder”, sucede o mesmo.
O PSD quer convencer-se de que precisa do Chega para voltar a governar e, mesmo sabendo do que ele é feito, fecha os olhos por supor a necessidade que não tem da muleta de um partido praticamente insignificante a não ser pela repulsa que gera. Mas da gula dos caciques à rendição de muitos comentadores de direita, a distância é curta e tudo facilita o passo. O que interessa não é a afirmação de uma alternativa política, é um projeto de poder, escreve-se, sem pudor, na última página do Público.
Estou convencido do contrário. E tenho a certeza de que, para o PSD, não é possível construir um projeto, seja ele qual for, com um partido que os seus mais experientes responsáveis, como Nuno Morais Sarmento, classificam de racista e xenófobo, mantendo-se o que sempre foi.
Ao acolher o Chega, o PSD tornou possível para muito do seu eleitorado insatisfeito fazer o mesmo. É lamentável como estratégia mas podia ser só a já costumeira nabice de contornar a adversidade fazendo-a maior. O problema é mesmo a facilidade, quase naturalidade, com que aconteceu quando a linha era tão fácil de defender. Este ano de 2020 ainda não acabou mas se calhar já chega.
(Opinião publicada na VISÃO 1447 de 26 de novembro)