Quem disse que “o Estado não vai ser chamado a pagar eventuais prejuízos do Novo Banco”? O leitor, influenciado pelas discussões dos últimos dias sobre o Orçamento do Estado, dirá que foi António Costa ou João Leão. Injustiça pura. Não foi nenhum deles. Foi Maria Luís Albuquerque.
Mas faça-se justiça à injustiça do leitor. António Costa, aquando da venda do Novo Banco ao Lone Star, declarou: “A venda não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas nem novos encargos para os contribuintes.” E Mário Centeno acrescentou: “Não haverá garantias do Estado no Novo banco.” A injustiça do leitor é, afinal, fundamentada em conhecimento de causa. A semelhança entre o que disse Maria Luís Albuquerque e o que disse António Costa é indesmentível.
No debate do Orçamento do Estado para 2021, os governantes e dirigentes parlamentares do PS decidiram, a uma só voz, voltar a assumir Maria Luís Albuquerque como sua inspiradora e a clamar como mantra que “não há um cêntimo de dinheiro público no orçamento para o Novo Banco”. Têm-no dito com ênfase, com tom perentório e vezes sem conta, para que não reste sombra de dúvida sobre essa decisão de não haver nova injeção de dinheiro público no Novo Banco. As almas inquietas de quem desconfia das sucessivas proclamações há anos seguidos podem, pois, ficar sossegadas, tão cheia de garantias é a proclamação socialista.
Mas vai-se a ver e o spin dos governantes e dirigentes socialistas para seduzir a opinião pública para a proposta de orçamento é um malabarismo e imita as afirmações de Maria Luís Albuquerque não só no teor, mas, mais que tudo, no alcance: esse spin é falso. É falso que não venha a haver dinheiro público para o Novo Banco no próximo ano orçamental. Isso decorre do esquema perverso que o contrato de venda à Lone Star fixou: o Fundo de Resolução está obrigado a injetar dinheiro no Novo Banco sempre que haja necessidades de capital para impedir que novos prejuízos ponham em causa os rácios obrigatórios; e o Estado está obrigado a financiar o Fundo de Resolução até 850 milhões de euros por ano sempre que, para fazer essas injeções, o Fundo não tenha recursos próprios suficientes.
A tudo isto, os seguidores presentes de Maria Luís Albuquerque juntam duas juras. A primeira jura é a de que, desta vez, não vai ser o Estado a emprestar ao Fundo de Resolução, mas sim um consórcio de bancos. Sim, mas então, para que tudo seja sem impacto no défice das contas públicas, porque não assume o referido consórcio diretamente a capitalização do Novo Banco? Porque tem de passar pelo Fundo de Resolução? Em síntese, porque é que a responsabilização do sistema bancário tem de gerar impactos diretos ou indiretos nas contas públicas e, por isso, ser suprida pelo pagamento do empréstimo bancário com dinheiro dos contribuintes, pela enésima vez? A segunda jura feita pelos émulos atuais de Maria Luís Albuquerque é que só é assim porque tem de ser assim, porque a legislação comunitária e o contrato de venda à Lone Star dizem que tem de ser assim. Mas a esse argumento formal, a sensatez manda que se responda com uma pergunta: deve um contrato ser cegamente cumprido quando há indícios mais que fortes de que uma das partes tem um desempenho típico de administração ruinosa que gera prejuízos só suportáveis com a garantia de cobertura por dinheiro público?
Sim, esta crónica é sobre o Orçamento do Estado e sobre a responsabilidade de ter sobre ele uma posição. Por estes dias, ouvi muita gente dizer que não viabilizar o orçamento é um ato de irresponsabilidade. Na esmagadoríssima maioria dos casos, essa crítica não veio apoiada numa única palavra sobre o conteúdo concreto da proposta de orçamento. Sobre o Novo Banco, por exemplo. E a pergunta que vai ser inevitável daqui a poucos meses, quando os bancos vierem exigir o pagamento do que emprestaram ao Fundo de Resolução e, de novo, se decidir que é o dinheiro de todos nós que servirá para isso, será também sobre ser responsável: quem terá sido de novo responsável por mais uma sangria do erário público para o Novo Banco?
(Opinião publicada na VISÃO 1443 de 29 de outubro)