1O percurso para a viabilização do Orçamento do Estado (OE), em particular quanto às relações PS-BE, e o resultado das eleições nos Açores evidenciaram as negativas consequências do que aqui considerei dois notórios erros políticos de António Costa, entre o muito mais em que tem acertado. A saber: a) o PS ter recusado liminarmente a disponibilidade do BE para celebrar um acordo de legislatura, como aconteceu na anterior − se era possível ou não levá-lo a bom termo depois se veria…; b) a forma como amiúde se relacionou com o PSD de Rui Rio, maxime quando disse que o Governo acabava no dia em que a sua subsistência (leia-se: a aprovação do OE) dele dependesse.
O erro face ao BE justifica parte do que está a suceder. Mas não tudo, em especial o voto do BE contra o OE, na generalidade, em vez de se abster e deixar o voto final dependente do que resultar da discussão na especialidade − posição com eventuais custos para o partido e mesmo para Marisa Matias nas presidenciais. O erro face ao PSD além do mais tirou espaço de manobra ao Governo nas negociações para viabilizar o OE e tirou ao PS qualquer autoridade moral para criticar o PSD pelo seu sentido de voto.
2 O resultado das eleições nos Açores, não sendo transponível para o todo nacional, pode sinalizar uma tendência, ou tendências. Mormente na correlação de forças PS/PSD, e mostrando a necessidade de um diálogo aberto e sério entre eles. A solução de governo a encontrar não é fácil. E foi pena que o Chega se tivesse adiantado a recusar a hipótese de entendimento com um partido do “sistema” − o PSD, claro −, assim impedindo de ser o PSD a recusá-lo primeiro, como espero faria corrigindo o grave erro, este de Rio, quando há tempos não afastou em absoluto essa possibilidade.
3A informação parece, entre nós, cada vez mais limitada. Assim, não li, vi nem ouvi nenhuma notícia sobre um acontecimento da maior importância para o Chile e bem relevante no contexto da região e até do espaço ibero-americano a que também pertencemos. Refiro-me ao referendo, que o governo se viu “forçado” a promover após grandes manifestações populares, sobre elaboração ou não de uma nova Constituição, para substituir a que ainda vem do tempo de Pinochet e permite ou promove tremendas injustiças sociais. E o resultado foi “sim”, com uma esmagadora maioria de 78,3%, e 79% dos votantes a optarem ainda pela futura Constituinte ser formada apenas pelos para o efeito eleitos e não por estes serem metade e a outra metade deputados do atual Parlamento. Mais, na Constituinte haverá igual número de homens e mulheres. O que é extraordinário, sobretudo atendendo a que ali, por exemplo, o divórcio apenas é possível há 16 anos e o aborto há três − e só nos casos de risco de vida da mulher, inviabilidade fetal e estupro.
Tudo isto na pátria de Gabriela Mistral, Pablo Neruda e Salvador Allende, onde António Costa esteve em 2017 em visita de Estado e se garantiu o reforço de relações entre os dois países, integrando o Chile, como observador, a CPLP, para ele exportando mais de 400 empresas nacionais e sendo o nosso terceiro “cliente” na América do Sul − tudo isto não é sequer “notícia” em Portugal?…
(Opinião publicada na VISÃO 1443 de 29 de outubro)