A confirmarem-se as acusações deduzidas no âmbito da Operação Lex, tenho poucas dúvidas em afirmar que estamos perante um dos casos judiciais mais graves de que tenho memória. É, de facto, a primeira vez que há três juízes acusados num mesmo processo, mas é sobretudo a primeira vez que um presidente de um tribunal superior é acusado de corrupção num caso judicial. É, pois, impossível diminuir a importância e a gravidade do que está em jogo, porque obviamente não há Justiça sem isenção e sem integridade dos juízes, e porque, por definição, sem Justiça não há um verdadeiro Estado de direito democrático.
Não há, repito, volta a dar: o caso abala os fundamentos do nosso regime e esse facto não pode deixar de ser considerado profundamente perturbador.
Isto dito, há duas formas de olharmos para este caso e de a ele reagir.
A primeira é saltar rapidamente para a conclusão de que este é um reflexo de um problema generalizado na nossa magistratura, é perder de vez a fé no nosso sistema de Justiça ou, pior, é alimentar, deliberadamente e sem mais, esta convicção com todas as consequências sociais e políticas que daí advêm, sendo que tenho poucas dúvidas de que muitos estarão, por razões políticas, interessados em fazer isso mesmo.
Mas há uma segunda forma de olhar para o caso que não é incompatível com o reconhecimento da sua enorme gravidade.
E essa segunda forma começa por ser a de reconhecer que, apesar de tudo, foi possível que o Ministério Público investigasse e deduzisse uma acusação. Como foi, aliás, possível que isso acontecesse em relação a um ex-primeiro-ministro num caso que, como todos sabemos, não pôs menos em causa a solidez do nosso edifício democrático.
Mas a esse olhar menos tremendista não podem também escapar mais dois factos.
O primeiro é o de que, independentemente do processo agora em curso e relativamente ao qual os acusados têm naturalmente o direito à presunção de inocência, o Conselho Superior da Magistratura concluiu já um inquérito disciplinar e aplicou as pesadas sanções de aposentação forçada e de demissão, no caso de dois dos juízes agora acusados.
O segundo facto é o da reação, que não posso deixar de classificar como equilibrada e sensata, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que veio reconhecer, com realismo e humildade, que os filtros que supostamente devem evitar estes escândalos funcionaram muito tardiamente, sendo que, por ser capaz de reconhecê-lo, veio propor, sem perda de tempo, uma série de medidas destinadas a aumentar o nível de escrutínio sobre os juízes.
Em suma: atuou o Ministério Público, atuou o Conselho Superior da Magistratura e veio, agora, a terreiro a Associação Sindical dos Juízes Portugueses pedir mais controlo sobre a própria classe profissional. Não quero ser ingénuo, mas não vejo aqui sinais de corporativismo. Muito pelo contrário; vejo sinais evidentes de que a magistratura reconhece a gravidade do problema, está preocupada e quer tomar medidas céleres para evitar a repetição de casos como este.
Numa conjuntura em que tantos são tão lestos a fazer generalizações apressadas, é também um dever cívico saber reconhecer estes sinais.
(Opinião publicada na VISÃO 1438 de 24 de setembro)