Cruzei-me com o eng. António Costa Silva uma meia dúzia de vezes na vida. Percebe-se, mal se conhece, um homem com sabedoria, feita de experiência de vida, capacidade inata, discreto como quase todos os homens superlativos. Uma vez deu-se o infortúnio de nos convidarem para o mesmo programa de televisão. Passei uma hora o mais calado possível para que o ouvissem a ele. Acho, aliás, que só outro, Félix Ribeiro, me impressionou da mesma maneira naqueles anos longevos em que tentei, sem sucesso, ser útil a todos.
Há semanas, quando se anunciou a encomenda do já famoso plano, estava à mesa, com um dos dois primeiros-ministros que no meu tempo de vida atenta cumpriram o seu dever, e desfiava a catilinária de que não viria mal ao mundo da coisa também por António Costa Silva ser quem demonstrou, um homem acima da média também na noção de serviço à comunidade.
O meu interlocutor, com a calma dos que são diferentes, lá me deixou acabar e no fim rematou: “Não duvido, Zé, e acho bem um primeiro-ministro pedir ajuda; já pedir uma visão parece-me uma coisa absurda.”
E é. Claro que é. Se dúvidas houvesse, a falta de noção com que António Costa o confessou, na entrevista da semana passada a esta revista, diria tudo. Relata ele, candidamente, que estava ouvir António Costa Silva na RTP, homem que não conhecia pessoalmente, e disse para si, assim a partir das ondas hertzianas: “Aqui está uma boa pessoa a quem se pode pedir o desenho de uma visão estratégica.”
Muita sorte a nossa não lhe ter ocorrido a aparição enquanto via televisão de manhã ou por lá fazia uma caldeirada, mas, chalaça à parte, sublinho a afirmação do primeiro-ministro, para o caso de não ter reparado. A pessoa que nos lidera, a meio da maior crise da nossa vida, foi pedir uma “visão estratégica” emprestada. Fez questão de nos dizer que não tinha uma, por outras palavras.
Não pediu ajuda para concretizar a sua orientação, o seu objetivo; pediu que lhe dessem uma orientação, um objetivo, como me disse o meu parceiro de almoço.
É por isso que o documento de António Costa Silva é o melhor que se podia esperar desta trapalhada que o primeiro-ministro lhe arranjou. As contas e as prioridades, que todos lhe reclamam, deviam ser coisa de Governo, em havendo. Mas, agora, o caldo já vai entornado para o retalho final manter a coerência.
António Costa, como de costume, quis fazer um número circense. Se quisesse mesmo um plano para a bazuca que acha que lhe deram, não o anunciava como uma humilhação ao seu Governo, esclarecendo com orgulho que alguém ia fazer o que eles todos juntos não foram capazes, só para parecer que tinha tirado mais um coelho da sua imensa cartola.
António Costa Silva diz, com caridade, que houve com os ministros conversas muito boas e outras menos boas. Em linguagem de cavalheiro, as más e as muito más… Pudera, como é natural, todos o viram chegar como alguém que ia ver o que eles, afinal, não tinham alcançado e explicado ao chefe.
Nem por milagre podia correr bem, mas, como se leu, ao primeiro-ministro interessa, apenas e só, ir preenchendo os dias para disfarçar o vazio do resto. António Costa Silva provavelmente nunca se dirá arrependido, mas já se vai conformando com o País dos planos na gaveta. Ele já ficou para trás a fazer de escudo, a ser responsabilizado pelo estado do “País que há de vir”, durante umas semanas, até passar, primeiro, o efeito e, depois, a utilidade do que lhe encomendaram. O funambulista já seguiu em frente.
(Opinião publicada na VISÃO 1431 de 6 de agosto)