O Francisco tem 13 anos e muitas dificuldades na leitura e na escrita. A vida não o tem poupado, faltou muitas vezes à escola para tomar conta dos irmãos, quando ainda nem idade tinha para tomar conta dele próprio, viu coisas que uma criança não devia ver nunca, e as marcas da violência e da negligência, ele tenta camuflá-las com um sorriso pronto mas curto. Apesar disto, participa em todos os projetos da turma, é muito perspicaz e de uma inteligência instintiva impressionante.
E, enquanto o Ministério da Educação insistir em disponibilizar os dados e os órgãos de comunicação social apostarem vendas em pódios de escolas, eu pensarei nos Franciscos deste País. As escolas são caixas de cimento com grades a cercar a sua área. Algumas nem espaços verdes têm, mas lá dentro estão pessoas, acreditem. Pessoas que ousam não desistir, mesmo quando os pódios vendidos em forma de manchetes remetem o esforço e a energia de anos a fio para os últimos lugares de um ranking. Pessoas que não desistem quando sabem que têm à sua frente crianças e jovens que a única refeição completa que fazem é ali; que têm pais com menos escolaridade que os filhos e mães que saem de casa quando eles ainda dormem e que chegam quando já é noite escura; que a primeira vez que foram a um museu ou a um teatro foi porque a escola os levou; que ouviram a professora falar em coisas que nunca tinham ouvido em casa e que pensavam até que não se podiam dizer.
Quando penso em rankings, penso em corridas e pódios, e, na verdade, quando estoura o tiro de partida, alguns atletas levam já quilómetros de avanço. Reduzir escolas e projetos educativos a exames nacionais e com isso construir rankings é como comparar Usain Bolt a um velocista não profissional. As condições de treino são incomparavelmente diferentes, o contexto familiar, o percurso escolar, as condições socioeconómicas, entre tantos outros fatores, não podem ser esmagados pelo alfa e ómega do exame nacional. A qualidade das escolas e a do processo ensino-aprendizagem estão muito para lá dos resultados dos exames nacionais; aliás, qual é a vantagem de definir rankings e a quem serve esta lógica de hierarquização de escolas em função dos exames nacionais? As escolas são, as públicas, pelo menos, muito mais do que isso, e os rankings não podem ser momentos de marketing e publicidade de escolas privadas para angariarem clientes. A escola pública pode e deve mitigar as desigualdades económicas e sociais, e não reproduzi-las, e esta lógica assente nos resultados finais, e não em todo o percurso, agrava esse fosso, e os rankings legitimam-no.
O Francisco lá chegará, espero, ao 9º e ao 12º anos. Não sei se fará os exames nacionais, e a sua escola até poderá ficar lá para baixo, no fim do ranking, mas isso não lhe retira valor absolutamente nenhum, nem aos professores nem a todos os que o acompanharam. O seu campeonato é outro, e os exames nacionais não têm bitola para isso.