A pedagogia permanente daquilo que significa uma Assembleia da República representativa de todos os portugueses estava a enfrentar, nos últimos tempos, os populistas. Os populistas em várias vestes fazem do Parlamento um lugar distante, fechado, casa de “políticos” devidamente caracterizados como “eles”, fora da cidade, cheios de vícios e de privilégios, gente que não sabe o que é o País e fechada sobre si mesma.
A pedagogia permanente sobre o significado do sufrágio universal, direto e secreto, uma conquista da democracia, que faz da Assembleia da República a casa de todas e de todos, estava a enfrentar, nos últimos tempos, os populistas.
A eficácia do ataque ao Parlamento parece ter contagiado gente inesperada. Somos surpreendidos por quem tem poderes delegados do Estado, como uma ordem profissional, a fazer um discurso contra a legitimidade democrática da casa da democracia.
Vários projetos de lei sobre a morte medicamente assistida foram aprovados, na generalidade, por ampla maioria. Em plena discussão na especialidade, no âmbito da qual o Parlamento ouvirá quem quer ser ouvido, a Ordem dos Médicos (OM) não se limita a dar a sua legítima opinião. Anuncia, dramaticamente, que não cumprirá uma lei da República.
Ora, com esta posição, a OM quer afirmar que se a lei em causa for aprovada carece de legitimidade. Acontece que este ruído faz esquecer que a Assembleia da República representa os cidadãos e as cidadãs verdadeiramente, isto é, todos eles, na pluralidade das correntes políticas e sensibilidades existentes e tem competência reservada na matéria em causa. O lugar da legitimidade, quando falamos de morte assistida, chama-se Parlamento e mal estaríamos se uma ordem profissional, que recebe poderes delegados do Estado, o questionasse.
Mas questionou.
Há qualquer coisa de profundamente perturbador quando a democracia representativa está a funcionar normalmente, no caso em projetos de lei que asseguram, naturalmente, o direito à objeção de consciência, e a OM presume representar todos os médicos e médicas do País lançando um “veto” a uma futura lei.
As leis da República são para se cumprir, sabem os democratas.
Os populistas já não andam sós.