Podíamos aproveitar para mudar algumas das coisas que já sabemos mesmo que vão correr mal, enquanto dura o efeito da pandemia na nossa capacidade de adaptação. Acertar no Totobola à segunda-feira é, afinal, só o que falta em muitas delas. Apesar do “aviso” de Bill Gates, na pandemia somos todos especialistas a pensar na véspera. Mas para as alterações climáticas, que eram o nosso maior problema até à Covid, sabemos muito mais do futuro, verdade?
A inteligência e o bom senso são as características mais bem distribuídas do mundo, escreve com fina ironia Descartes, e talvez por isso nos falharam tantas vezes a evitar o que estamos carecas de saber que nos vai cair em cima.
2020 vai ser um dos cinco anos mais quentes desde que há registo e um forte candidato a bater o recorde de ano mais quente de sempre, apesar desta interrupção na vida. Como tudo, em La La Land, há sempre uns incautos que nem assim perceberam o quão para lá de parar os transportes estamos por resolver o que já é inevitável e que acham que parar o mundo, que se ligou antes de mais por conveniência e utilidade, resolve o problema.
Pois não, o que a pandemia provou foi apenas que temos pela frente um desafio que já vai para lá da paragem circunstancial de quase tudo, durante um período de tempo. Só isso, como se não fosse enorme.
Felizmente, agora temos um manual unânime de reação aos desastres globais. Um código para “o que passa por cima de todos, quer queiram quer não”, como a Covid ou as alterações climáticas. Tem três artigos: primeiro, decidir com base no aviso e no conselho dos profissionais e cientistas; segundo, agir rapidamente; e terceiro, cooperar internacionalmente, de forma eficaz, para resolver estes ditos problemas globais.
Infelizmente, já não podemos começar mais cedo o confinamento, nem fazer testes mais depressa, nem trocar mais informação e coordenar a resposta para a primeira vaga, como a OMS não soube ou não pode fazer.
Mas voltando ao novo manual de emergência global, aplicado às alterações climáticas: são poucas, quase nenhumas, as dúvidas científicas sobre o efeito da atividade humana no aumento da temperatura global. Já temos, finalmente, o primeiro artigo do tal manual, mas violamos sempre o segundo e o terceiro. Não agimos a tempo e agimos sempre muito abaixo da cooperação exigível. Faltou sempre, apesar das pias intenções, algo que fizesse quer do Protocolo de Quioto quer do Acordo de Paris mais do que listas de desejos insuficientes, confusos e voluntários, logo ineficazes.
Como diz o editorial da última Economist, estamos agora, face à pandemia, perante um momento único para a mudança de um paradigma de produção que todos, a começar pelas empresas, já tomam como inevitável. Usando a linguagem do tempo, talvez esta possa ser a altura para achatar a curva das alterações climáticas.
É por isso particularmente simples e atrativa a ideia defendida pelo prémio Nobel da Economia William Nordhaus, na última edição da Foreign Affairs, de um novo acordo para o clima que rompa com o paradigma dos anteriores.
Em termos práticos, a única maneira de evitar o free riding, viver na boleia dos outros, como acontece com os EUA, e os custos da NATO é sair das métricas confusas e de acordos voluntários para uma bem mais simples: o preço de carbono, com penalidades no comércio internacional para quem não cumprir ou não aderir. Isso, sim, seria uma batalha comercial virtuosa, com vantagens para Portugal.
Mas, no fim, tudo isto, um acordo internacional eficaz e vinculativo, depende sempre primeiro do que somos capazes de impor aos nossos políticos e do que depois eles são capazes de acertar uns com os outros. Da capacidade de todos nos obrigarmos ao compromisso de que a vida não é só aquilo que está a acontecer mesmo, mesmo, mesmo agora na TV.
Caso contrário, vamos esperar, como de costume, que dê para recuperar os pontos que o Benfica perdeu em casa. Já não era nada mau, depois disto tudo.
(Opinião publicada na VISÃO 1421 de 28 de maio)