Uma ameaça global precisa de ser combatida com uma resposta global e coordenada entre todas as nações. Há mais de dois meses que esta frase é repetida, com maior ou menor insistência, pelo secretário-geral das Nações Unidas e por outros líderes mundiais. No entanto, depois da Covid-19 já se ter alastrado a 212 países e territórios, deixando um rasto de quase quatro milhões de infetados e mais de 250 mil mortos, o mundo continua sem conseguir chegar a um acordo sobre a resposta global necessária para travar a ameaça.
Há mais de dois meses que o Conselho de Segurança das Nações Unidas – o órgão central e de maior poder na organização – está completamente paralisado, incapaz de se pronunciar ou de agir para fazer face ao “maior desafio que o mundo enfrenta desde a II Guerra Mundial”, segundo a expressão de Guterres. O secretário-geral pediu, logo em março, “um cessar-fogo imediato em todo o mundo” para permitir canalizar os esforços na luta contra o vírus. No início de abril, voltou a repetir a mesma exigência, como forma de tentar impedir o “desastre económico, social” que se avizinha e que constitui, por si só, uma ameaça “à paz e à segurança internacional”. Apesar do eco internacional dessas palavras, no seio do Conselho de Segurança manteve-se o impasse, muito por culpa do confronto entre os EUA e a China (com a polémica das referências à OMS a impedirem a redação final de qualquer resolução), mas também pela inabilidade ou sede de protagonismo dos outros países com direito a veto: Putin tem sido contrário à instalação de corredores humanitários na Síria, e Emmanuel Macron passou semanas, como estratégia de afirmação pessoal, a tentar um entendimento à margem do conselho, que acabou por falhar.
É a primeira vez que o Conselho de Segurança demonstra uma paralisia tão grande perante uma ameaça deste género, o que acaba por minar ainda mais a influência da ONU e de todas as organizações multilaterais, num mundo dividido e sem liderança. Como recordam muitos diplomatas, até mesmo nos tempos da Guerra Fria, as grandes potências souberam esquecer, por momentos, a geopolítica e chegar a acordo para, por exemplo, lutar de forma global contra a poliomielite ou promover a erradicação da varíola. Mais tarde, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança também conseguiram esbater as suas diferenças e promover um plano mundial contra a sida e, em 2014, foram unânimes, na necessidade de apoiar os esforços contra a epidemia de ébola em África. Agora, perante a maior ameaça das nossas gerações, não só sanitária mas também económica, da ONU só se escuta um longo e vergonhoso silêncio. Aqui e ali interrompido pelos apelos, cada vez mais angustiados, de um isolado António Guterres.