Lembram-se da anedota sobre aquele indivíduo que, na autoestrada, ao ser informado de que há um carro em contramão, exclama indignado: “Um?! Vêm todos em sentido contrário, todos contra mim!” É essa a figura que Donald Trump tem feito, perante o resto do mundo, desde que chegou à Casa Branca. A sua última indignação foi contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), mas ninguém pense que a sua decisão de cortar o financiamento dos EUA àquela instituição das Nações Unidas teve alguma coisa que ver com saúde ou sequer, como afirma, por considerar que ela está a ser uma marioneta nas mãos dos chineses. Não, o verdadeiro problema de Trump é com qualquer organização, acordo ou instituição que exibam as palavras “Internacional” ou “Mundial” no seu nome e em que, portanto, ele não pode decidir a seu bel-prazer. Por isso, o seu objetivo, sempre que pode, tem sido o de tentar descredibilizar a confiança nas instituições a que nos tínhamos habituado a respeitar, desde a saída dos escombros da II Guerra Mundial.
Isso mesmo ficou bem claro, ainda em setembro, quando Donald Trump declarou que “o futuro não pertence aos globalistas; o futuro pertence às nações soberanas e independentes”. Para ele, todo o sistema de organizações internacionais criado sob o imenso chapéu das Nações Unidas, como forma de preservar a paz através da cooperação internacional, é cada vez mais um empecilho à “grandeza” dos EUA e um obstáculo que precisa de ser removido. Desde a sua eleição, Trump tem sido claro nesse propósito, socorrendo-se para isso, várias vezes, de algumas das mais inacreditáveis teorias da conspiração que abundam nas redes sociais. Mal chegou à Casa Branca, ele anunciou que os EUA sairiam do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas. Em 2017, voltou a ordenar a retirada da UNESCO (década e meia depois de George W. Bush ter patrocinado a reentrada norte-americana, na sequência do 11 de Setembro). Em 2018, decidiu a saída do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Pelo meio, fez pressões inacreditáveis sobre o Tribunal Penal Internacional. Agora, elege a OMS como inimigo, sem se importar com o perigo que isto representa, como muito bem se assinalou no editorial da revista científica Nature, “ferir a agência internacional mais importante para enfrentar a maior crise global em um século”.
O resultado desta estratégia está à vista: quanto mais os EUA se vão retirando das organizações internacionais e abandonando o seu papel de líder global, mais esse espaço deixado vago vai sendo ocupado pela China, com o seu objetivo estratégico de ser a maior potência mundial dentro de três décadas. Assim, não será completamente arriscado fazer a pergunta provocadora: será, afinal, Donald Trump uma marioneta nas mãos de Xi Jinping?