A mais global tragédia, ou pelo menos desgraça, deste século, até hoje, é a atual pandemia do coronavírus. Pelos seus efeitos imediatos, pelas suas consequências futuras. Que de certeza serão muito graves, certeza a que acresce uma preocupante dose de imprevisibilidade. Assim, compreende-se que a pandemia ocupe quase por completo o espaço e o tempo dos média de todo o mundo. E que a qualidade dos média possa aferir-se pela seriedade, a profundidade e a criatividade com que tratam o tema, nas suas inumeráveis vertentes.
Aliás, para os verdadeiros jornalistas, as situações excecionais, as mais das vezes dramáticas, se por um lado são muito exigentes, duras, difíceis, por outro são desafiadoras, estimulantes, dolorosamente apaixonantes. E nestas alturas com mais nitidez se evidencia o que é bom e o que é mau jornalismo, o que é rotina, registo de ocorrência, manga de alpaca, e o que é dinamismo, visão, imaginação e competência para nos dar a conhecer e fazer compreender o essencial da realidade em movimento.
Mas esta é outra conversa. Para a qual derivei quando o meu intuito era só dizer que hoje não iria falar dele, vírus (está-se a ver…), mas de um caso terrível: o assassínio de um ucraniano, Ihor Homenyuk, em instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do aeroporto de Lisboa. O que, embora noticiado em alguns órgãos de comunicação escrita com o devido relevo, acabou por ter muito menos repercussão pública e permanência nos noticiários do que o justificado, por força da prevalência de tudo o que se refere à Covid-19.
Ora, segundo a acusação que levou, para já, à prisão de três inspetores do SEF, trata-se, repito, de um caso terrível, com o homem que pretendia entrar em Portugal, onde há dezenas de milhares de ucranianos, vítima de violentas e cruéis agressões. Que uns terão cometido e outros permitido, ocultado − mentindo. Lê-se e nem se acredita que num país ainda agora considerado por um instituto sueco a sétima melhor democracia do mundo, e das que melhor tratam os emigrantes, no aeroporto da sua capital e por elementos de uma sua polícia, possa ter sido cometido um crime tão hediondo.
Um crime que será danoso para a imagem do País caso não haja o maior rigor e rapidez no apuramento de toda a verdade, em toda a sua dimensão. Tornando-se tudo público. Sem nenhum manto, mesmo diáfano, a esconder ou a enevoar a “nudez crua da verdade”. Pense-se o que seria, o que se pensaria, se acontecesse isto a um cidadão português, por exemplo, em França, onde há centenas de milhares de portugueses.
Este caso levou a um extremo inimaginável a questão da violência policial sobre pessoas, em particular no interior das suas instalações. Já estive para a tratar aqui, a propósito da agressão a Cláudia Simões na Amadora, a ela espero voltar. Entretanto quero sublinhar que − com exceções, sempre mais do que as desejáveis − os polícias portugueses de hoje são respeitadores dos direitos dos cidadãos, capazes, por vezes até cordiais. Mas defende-se a polícia e os polícias não a esconder ou a minimizar abusos, até crimes, que alguns cometam, mas a denunciá-los e a puni-los com vigor, como atos contra a lei e fora da “regra” que são.
(Opinião publicada na VISÃO 1415 de 16 de abril)