Tal como acontece nos divórcios, há um momento em que as pessoas deixam de ter medo de pronunciar alto aquilo que lhes vai na cabeça. É esse o momento da viragem, quando a ideia de rutura passa a ser não apenas equacionada para dentro, mas assumida para o mundo como hipótese em causa. É esse o momento do tudo ou nada que vive a Europa dos 27. “A União Europeia ou faz o que tem a fazer ou acabará”, disse limpidamente António Costa, que reputou também de “repugnantes” as palavras do ministro das Finanças holandês. Durante uma reunião de emergência do Conselho Europeu, Wopke Hoekstra terá dito que a Comissão Europeia devia investigar países como Espanha, que alegam não ter margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pela Covid-19.
Parece tudo um triste déjà vu, uma repetição da resposta à crise da dívida de 2009 que quase deitou abaixo o euro, causando ondas de choque que persistem até hoje. Nessa altura, perante uma situação excecional que conjugou uma crise financeira global determinada pela falência da Lehman Brothers, uma bolha imobiliária e uma desaceleração económica, a resposta da União Europeia foi idêntica: salve-se quem puder. Ou seja, nula.
A incapacidade para se encontrar uma solução em bloco para uma crise que afetava mais os países com economias mais vulneráveis deixou bem clara a fragilidade dos alicerces sobre os quais assenta uma união que é apenas económica, e não financeira nem orçamental ou tão pouco política.
E que serve nas horas boas mais a alguns e nas más apenas aos mais fortes. A criação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira e do Mecanismo Europeu de Estabilidade e as medidas atenuantes levadas a cabo pelo Banco Central Europeu vieram disfarçar o que foi indisfarçável: a inexistência de uma solidariedade comunitária e de capacidade de resposta em bloco nas crises.
Vive-se agora a mesma incapacidade de responder a uma só voz perante uma ameaça comum. E, mais uma vez, os países mais frágeis são deixados à sua sorte. Recusa-se as soluções possíveis, como as Eurobons, que no passado obviariam à pressão enorme sobre a dívida pública da Grécia, de Portugal ou de Itália. Não tenhamos dúvidas: as “Coronabonds”, ou a emissão de dívida comum pela União Europeia, são, novamente, a única salvação para a profunda crise económica e financeira que aí vem. Ou serão, mais uma vez, os mais fragilizados a serem destroçados, pondo opirremediavelmente em risco o euro e o projeto europeu. É demasiado mau que a UE não consiga aprender com os seus próprios erros.