Sabendo que há iniciativas em curso para realizar em Portugal ensaios para o tratamento da infeção pelo COVID-19, será importante refletir sobre o seguinte. Para que este esforço seja verdadeiramente informativo e um contributo para o conhecimento nacional ou global sobre a melhor forma de abordarmos esta doença, é fundamental que estes ensaios cumpram alguns pressupostos:
- Ser rápido no desenho e implementação do ensaio para que os resultados ainda venham a tempo de contribuírem para melhor tratarmos esta pandemia, melhor tratar uma possível “segunda vaga” de infeção ou aprendermos a melhor abordar uma epidemia/pandemia futura com agentes virais parecidos. Se formos lentos a iniciar o ensaio, podemos não ir a tempo de ter doentes para serem incluídos e desta forma não aprendermos algo que possa ser útil para uma vaga mais tardia ou outras epidemias futuras.
- Incluir muitos doentes para que os ensaios possam ser verdadeiramente conclusivos e não gerarem apenas dados que não contribuam verdadeiramente para um ganho de conhecimento, ainda para mais quando não é expectável que alguma das intervenções terapêuticas tenha um efeito “mágico” (de grande eficácia).
- Serem ensaios muito pragmáticos na logística e nos resultados que queremos medir. Isto significa que terá de ser muito fácil para os médicos/investigadores incluírem doentes no ensaio, ainda para mais nas circunstâncias difíceis em que estão a trabalhar. E os resultados devem centrar-se em parâmetros muito fáceis de registar e que sejam verdadeiramente relevantes (ex. número de mortes, número de doentes que precisam de ventilação, tempo de internamento ou tempo de ventilação).
As premissas descritas permitem concluir, rapidamente, que provavelmente não faz sentido conduzir ensaios, exclusivamente, em centros Portugueses. Seguramente o que faz sentido e deve ser estimulado é a inclusão dos centros Portugueses, que infelizmente, pelas más razões, vão ter muitos doentes para recrutar, nos ensaios de colaboração internacional que já estão a ser planeados ou em curso.
Devemos evitar, neste cenário de grande crise global, fazer os mesmos erros que todos temos cometido ao longo do tempo. Será um erro crasso cairmos na tendência habitual de cada um fazer o seu ensaio “na sua capelinha”. E sabemos não ser uma doença exclusivamente nacional.
É mais uma vez, com tristeza e desapontamento, que vemos as várias agências de apoio à investigação, de múltiplos países, iniciarem vários ensaios “nacionais”, em vez de se sentarem em conjunto para desenharem um plano global de colaboração que cubra todas as perguntas paras as quais precisamos de respostas conclusivas e rápidas. Era muito bom que, pelo menos desta tragédia, saísse um repensar dos benefícios da verdadeira colaboração e coordenação, para o benefício de todos. Aplica-se aos ensaios clínicos como também se deveria aplicar à gestão global de camas de ventilação, políticas de saúde pública, colaboração entre estados, etc., etc..