Pertenço à geração abençoada. Aquela que não sabe o que é um estado de sítio nem de emergência e que desconhece o que é ter direitos, liberdades e garantias amputados. É por isso que estremeço só de ver as imagens dos carros-patrulha nas ruas de Itália e de Madrid a mandar, coercivamente, as pessoas para dentro de casa ou dos polícias de metralhadoras a patrulharem as tarefas do dia a dia das populações.
Sinto-me a Lydia do livro The Testaments, a continuação do Handmaid’s Tale de Margaret Atwood, que acabei de ler. Estou perfeitamente ciente de que é para bem comum e de que este confinamento forçado é indispensável, percebo que não temos alternativa ao isolamento social para travar o contágio e aplanar a curva, mas não consigo deixar de pensar que estamos a um passinho do abismo.
“As pessoas não têm bem consciência do que significa estado de emergência”, disse à SIC António Costa, deixando claro que, pela sua parte, evitaria esta declaração – que cabe ao Presidente da República – até ao limite. É a pura verdade. Infelizmente, chegámos ao momento-limite em que temos mesmo de acionar o botão de emergência e parar o País. Prevenir o que ainda é prevenível, para não termos de remediar e chorar os mortos mais tarde.
A situação é aterradora. A escalada de contágio pelo planeta parece imparável, e os seus efeitos na economia global também. As bolsas evaporaram valor de forma abrupta (o índice MSCI World, o mais usado para espelhar as ações mundiais, recuou mais de 20% desde o pico de 19 de fevereiro).
A “corona-recessão” (como já lhe chamou Krugman) parece certa, o horizonte não traz quaisquer certezas a não ser a provação e a instabilidade. Apenas os estúpidos estão confiantes, os sensatos estão cheios de dúvidas.
Claro que estes são tempos férteis para crescerem populismos. É fácil dizer que temos de ter um milhão de ventiladores e um bilião de máscaras de proteção – só não é possível nem expectável que isso tivesse sido feito. Não há caminhos fáceis nem boas soluções em tempos de crise. É preciso fazer uma gestão duríssima de recursos escassos, atender a exigências nunca vistas, apontar caminhos sem certezas de sucesso. Criticar é fácil. Apontar o dedo, também. Mas fazê-lo sem fundamento nem alternativa, por puro oportunismo, revela uma falta de sentido de Estado sem limites. Durante a guerra não se apontam as armas aos nossos – só ao inimigo. É preciso estarmos, todos, juntos nas trincheiras. Só assim conseguimos derrotar a maldita Covid-19.