O jornalismo anda muito mal tratado, desprestigiado, mesmo desvirtuado, em larga parte dos media. Nas várias plataformas, incluindo a imprensa escrita. Mas na internet bastante pior, mormente pela admissão, às vezes até valorização, de coisas como os likes e de pornográficas caixas de comentários, amiúde verdadeiras cloacas onde se despeja ignorância, mentira e ódio, de par com propaganda do pior da política. Entre as fortes razões para tal situação dos media, além de um lastimável “andar atrás” de redes sociais e suas agendas avulta a menorização ou mesmo desvalorização do que no jornalismo é essencial: as notícias. Em particular, claro, as que são “cachas” resultantes de investigação própria.
Ora, o que Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) agora revelou sobre Isabel dos Santos, sem entrar numa dúvida que a seu propósito se pode levantar, é um exemplo do que deve ser feito – à escala e na medida das possibilidades de cada um. Exemplo vindo de uma muito meritória organização, fundada em 1997 nos EUA e hoje constituída por 249 jornalistas de mais de 90 países, que entre si colaboram para realizar um trabalho que considero de interesse público global.* Lembrando o título do famoso livro de Heinrich Böll, A honra perdida de Katharina Blum, vítima de uma comunicação social ordinária e sem escrúpulos, são matérias assim que salvam a honra do jornalismo.
Quanto ao caso em si, na mesma perspetiva, tem de se sublinhar toda a corajosa investigação de Rafael Marques, em ou a partir de Angola. E, num campo diferente, toda a ação de Ana Gomes. Por mais que às vezes pareça excessiva, o que fez como embaixadora de Portugal na Indonésia e como eurodeputada, o que diz e continua a dizer nas suas intervenções públicas, frontais, desassombradas, mesmo ousadas, mas bem fundamentadas – o que exige muita canseira e capacidade -, fazem dela uma figura impar. Por isso aqui lamentei não ter sido candidata a deputada em Portugal. Como lamento não seja dada a devida atenção pelas “autoridades” ao que muitas vezes revela e denuncia.
Obviamente, neste caso Isabel dos Santos tudo tem que ser investigado e esclarecido. Tarefa quase ciclópica, dado o imenso material reunido e divulgado pelo ICIJ. As análises e os comentários a esse respeito que ajudem a conhecer e compreender a realidade em toda a sua amplitude, em particular o seus desenvolvimentos ou reflexos em Portugal, são fundamentais. Creio, porém, ser também necessário não começar a espingardear para todo o lado, em particular para obter dividendos políticos, como já começam a fazer alguns do costume. Não há nada melhor para os grandes responsáveis pelos eventuais crimes, “roubos”, desvios, abusos, do que multiplicar sem sólido fundamento os alvos e desfocar deles as atenções. Sem esquecer que neste caso os esquemas serão os de sempre, das empresas fantasmas aos off-shores, que os “senhores do mundo” continuam, pelo menos, a tolerar…
*Em Portugal pertence ao ICIJ o jornalista Micael Pereira, do Expresso, cujo trabalho realço. Desde 2106 há também o Investigate Europe, só com 11 jornalistas de 11 países, um deles Paulo Pena.
(Opinião publicada na VISÃO 1403 de 23 de janeiro)