“Tenham vergonha! Tenham vergonha!”, palavras de André Ventura, na Assembleia da República?… Não. A invetiva foi lançada pela deputada do Livre, Joacine Katar Moreira, contra os seus próprios camaradas, na convenção do partido, no fim de semana passado. Ao mesmo tempo que decorria a segunda volta das diretas do PSD, partido com 79 deputados, e em que se decidia quem será, pelo menos nos próximos dois anos, o líder da oposição, o País concentrava as atenções na minúscula força fundada por Rui Tavares e na sua deputada única, numa inversão mediática da realidade. Não era caso para menos: depois de Joacine ter entrado como um furacão na campanha eleitoral e no Parlamento, pela extravagância do boneco – a gaguez, a saia do assessor – e pela circunstância histórica de ter sido a primeira cabeça de lista negra – um sinal de maturidade e multiculturalismo da democracia portuguesa –, Joacine seria vítima do seu próprio sucesso, alvo de um escrutínio impiedoso que, por ser deputada única, a expõe muito mais do que aos anónimos parlamentares das últimas filas das bancadas dos partidos maiores, que entram e saem sem que se saiba exatamente o que fazem de útil na casa da democracia. Uma série de gafes, um comportamento errático, na relação com o grupo de contacto do Livre e com a sua direção, bem como um alegado desvio identitário das bandeiras de um partido que se apresentava, em primeira análise, europeísta e ecológico, levou a que a assembleia do Livre propusesse a retirada de confiança política a Joacine. A deputada não se ficou e, na convenção, reagiu aos gritos, tendo até o nervosismo “disfarçado”, momentaneamente, a sua gaguez.
No meio das várias queixas e acusações, Joacine fez uma declaração trovejante, ainda não suficientemente digerida pela opinião pública, e pelos média, genericamente benignos com o Livre: a sua gaguez e a cor da sua pele terão sido úteis para “sacar” a subvenção estatal a que os partidos com representação parlamentar têm direito – e, cumprido esse desiderato, Joacine ter-se-ia tornado descartável. É uma acusação grave que mais a terá condenado aos olhos dos seus pares – mas que carece de desenvolvimento no escrutínio público. O tumulto ocorrido na convenção obrigou os órgãos a adiar a decisão sobre o que fazer com a deputada, batata quente que a nova direção eleita terá de arrefecer, agora com o mínimo escândalo possível. Mas, como disse um responsável, “só um milagre” poderá fazer com que as partes se reconciliem.