“Unidade”, eis o que promete Rui Rio, reeleito presidente do PSD, na segunda volta das eleições diretas internas, com cerca de 53% dos votos. Mas desde que os militantes se comportem “com lealdade”. E, como a unidade está pela hora da morte, e nada tem a ver com lugares, a lista para os órgãos dirigentes, a apresentar no próximo congresso, não incluirá montenegristas. Uma diferença de pouco mais de dois mil votos separa agora duas metades de uma mesma “laranja”, que são mais do que duas fações. The winner takes it all, mas, na oposição, persiste um PSD liberal, que evoluiu da pureza social-democrata inicial para um personalismo reformista e com aspirações a federar a direita. Rui Rio, no agradecimento a Francisco Pinto Balsemão, invocou a social-democracia de Sá Carneiro – mas o próprio Sá Carneiro, aparentemente, a renegou, na rutura que assumiu, ao formar, em 1979, a AD, com o CDS de Freitas do Amaral e o PPM de Gonçalo Ribeiro Telles…
Os dois PSDs, que se confrontam em períodos de crise de identidade, quando o partido está longe do poder ou para lá – para longe do poder – caminha, só se conseguem unir com o cimento desse mesmo poder. Herdeiro de um tecido político e social avesso a ideologias e eminentemente pragmático – as estruturas locais e as forças vivas herdeiras do aparelho da ANP do Estado Novo – o PSD travestiu-se, em 1974, de um cor-de-laranja vivo, próximo do vermelho, mas que, com o tempo, se esbateu e descoloriu, quer na ideologia, quer no símbolo, nas bandeiras e no merchandizing. Nos anos 70, os deputados fundadores da ASDI separaram-se, numa cisão, de Sá Carneiro, quando perceberam a viragem à direita. A Nova Esperança, nos anos 80, conspirou para a ascenção de Cavaco Silva, em rutura com o Bloco Central do PS/PSD protagonizado por Mário Soares e Mota Pinto. E em 1995, um eixo “sulista, elitista e liberal” era atacado pelos sociais-democratas que colocaram na boca de um desamparado Luís Filipe Meneses aquela frase maldita. No governo, curiosamente, ambos, quer Sá Carneiro, quer Cavaco, foram social-democratas, provando que as ruturas que promoveram foram mais táticas do que estratégicas. Passos Coelho foi o primeiro a assumir, sem ambiguidades, a rutura estrutural com a social-democracia – e é por isso que, na segunda década do século XXI, estes dois PSDs se tornaram inconciliáveis. Ou seja, a divergência atual é a mais grave da história do PSD.
O Medvedev de Passos Coelho
Luís Montenegro destacou o nome de Margarida Balseiro Lopes, entre os seus apoiantes, por querer transmitir uma mensagem de futuro e de juventude. A líder da JSD esteve com ele e, como ele quer dizer, representa o futuro do partido. O candidato derrotado deseja ao presidente reeleito do PSD, Rui Rio, sucesso nos próximos importantes combates eleitorais: as eleições regionais dos Açores e as autárquicas de 2021. Não se referiu às legislativas, que vêm longe, que podem acontecer, “em princípio”, como disse, em 2023 – ou antes. Mais, respondendo a uma pergunta sobre o seu próprio futuro, terminou dizendo, sem que lhe fosse perguntado, que a preparação das legislativas “começa agora”. Portanto, traduzindo, e tendo em conta que as diretas do PSD ocorrem de dois em dois anos, ou Rui Rio melhora os resultados eleitorais, ou, subentende-se, ainda poderá haver uma terceira volta… em 2022.
Não, estas diretas não foram decisivas. No início de legislatura, com o PS bem instalado no Governo, estribado numa geringonça.2 informal, que agora viabiliza orçamentos pela abstenção mas que, não haja dúvidas, votaria a favor se isso fosse aritmeticamente indispensável, a travessia do deserto é longa e difícil. Montenegro assiste, de camarote, aos esforços de Rui Rio para inverter a situação impossível de remover dezenas de presidentes de Câmara PS. Com muitos autarcas no primeiro ou no segundo mandato, e, portanto, reelegíveis, os socialistas serão difíceis de remover, claro. E Rio, visto desta perspetiva de 2020, tem mais uma derrota anunciada. Em 2022, Montenegro, que regressa à sua condição de militante de base – mas não abdica de participar e de intervir no próximo congresso, já no início de fevereiro… – pode voltar à carga com o discurso de que é agora ou nunca que o PSD pode desalojar o PS do poder. Nessa altura, os socialistas poderão sofrer a erosão do desgaste do Govrno e as legislativas estarão à porta. Para quem quiser substituir Rui Rio, o timing será muito mais favorável então, do que neste momento.
O problema é a paisagem humana que rodeava Montenegro, no seu derradeiro discurso desta pugna eleitoral. Além de Balseiro Lopes, Hugo Soares, Maria Luís Albuquerque, Teresa Morais e muitos outros ícones do passismo. Dir-se-ia que são os quadros váidos que Rui Rio desprezou – mas isto não é necessariamente bom para as aspirações de Montenegro. É que, infelizmente para ele, o elefante na sala continua a chamar-se Pedro Passos Coelho. E com um PSD cada vez mais dividido, a lamber as feridas de mais desaires eleitorais consecutivos – as regionais açorianas, as autárquicas – ele pode querer reaparecer como o único capaz de unir todos outra vez. O último que ganhou eleições. O líder salvador, por quem todos suspiram. Nessa altura, Luís Montenegro não passaria de uma espécie de Medvedev do Putin-Coelho. Então com 48 anos e uma vida política pela frente, restará a Luís Montenegro o gesto freudiano de “matar o pai”. Se quiser ser n.º 1, terá de sobreviver a fazê-lo – ou morrer tentando.