Com 49.44% dos votos, Rui Rio fica a umas décimas da vitória para a presidência do PSD e perfila-se como favorito para a segunda volta. Mas Luís Montenegro (41,26% dos votos) não desarma. No seu discurso, esta noite de sábado para domingo, o antigo líder parlamentar do PSD disse que Rui Rio não é o seu adversário – esse é António Costa – mas, relativamente a Miguel Pinto Luz (9,3%), foi mais longe: “Deu um contributo muito positivo para a campanha”. E logo a seguir: “Se for eleito presidente do PSD, vou contar com ele”. Ou seja: Pinto Luz pode dar a indicação de voto em Montenegro, que está garantido. Mais ainda, Luís Montenegro lembrou que foram mais os que votaram na mudança do que os que votaram na continuidade, Logo, à segunda volta, os que votaram na mudança – inclui os eleitores de Pinto Luz… – podem votar Montenegro. Mas, para que nenhum voto seja desperdiçado, deu outras garantias: “Vou contar com muitas pessoas que apoiaram Pinto Luz e também Rui Rio”. Portanto, não tenham medo: votem em Montenegro.
Rui Rio respondeu com um discurso menos pensado, menos elaborado e menos sibilino. Fez contas às décimas que faltam – pouco mais e meio por cento… – e falou das prioridades que terá como líder do PSD: atacar as autárquicas e subir a votação, puxando pelos galões de campeão autárquico, durante 12 anos. Depois, a abertura do PSD à sociedade, pelas ideias e contra “os lugares”. Finalmente, o tipo de oposião: ela deve ser construtiva, para que possa servir o País no Governo, mas também na oposição. Professoral, pedagógico, honesto, Rui Rio foi menos galvanizador do que Montenegro. Mas o seu discurso, não convencendo os fanáticos, pode convencer os indecisos.
Nada disto é novo. O que está em causa são duas ideologias num só partido. Dois estilos opostos. Duas visões de poder. A mesma linha divisória que feriu o PSD nos anos 70, com a cisão da ASDI; nos anos 80, com as opções inadiáveis, ou a tendência da Nova Esperança. Em 1995, quando o eixo “sulista, elitista e liberal” – nas palavras de Luís Filipe Menezes – se confrontou com a velha social-democracia herdada dos pais fundadores. Social-democracia, virada ao centro – como lembrou esta noite Rui Rio – versus personalismo liberal, representado por Luís Montenegro e virado mais à direita. Os movimentos telúricos que se confrontam ciclicamente no PSD surgem quando o partido não está no poder ou quando o poder está em risco. O PSD é o partido da eterna dúvida existencial, mas o seu desiderato é o Poder. Rui Rio, que quer parar o vento com as mãos, propõe uma revolução: o desprezo pelos lugares. Ora, o PSD, partido reformista, conceda-se, é, sobretudo, como herdeiro do tecido territorial político-social do aparelho da Acão Nacional Popular do Estad Novo, um parido que vive dos lugares. Conseguirá o antigo presidente da Câmara do Porto aproveitar a prolongada dieta de oposição para fazer a metamorfose?
Quem vai decidir são os que votaram em Miguel Pinto Luz: os pintaínhos. Fora da caixa, tipo terceira via, o vice-presidente da Câmara de Cascais colocou-se num outro patamar. A Miguel Pinto Luz, que representa uma nova geração cosmopolita e sem memória das guerras supracitadas, não lhe interessa, nem a social-democracia, nem o liberalismo: a sua campanha discutiu outros temas, menos ideológicos. Mas o tema dos lugares não lhe é estranho, muito menos aos seus eleitores. É por isso que, ao final do dia, a próxima semana será decisiva, relativamente às garantias que cada um dos candidatos oferecer aos apoiantes do cascalense. Por debaixo das cortinas, os negócios de mercearia não serão coisa bonita de se ver, e por isso serão escondidos do olhar do cidadão comum. E é agora, verdadeiramente, que o aparelhismo, o caciquismo e o jogo sujo terão a sua oportunidade. E mesmo que Rui Rio faça a bravata contra esse tipo de negociata, outros, que o apoiam, colocarão as mãos na massa por ele. E pouco mais de meio por cento é demasiado pouco para que não tenham êxito.