Em semana de aniversário e estando a aproximar-me perigosamente da meia-idade, decidi fazer um balanço. Pensei na pessoa-adulta que a criança-que-fui imaginava que seria. Na pessoa-adulta que a adolescente-que-fui gostaria de se tornar. E, finalmente, comparo a lista das ambições da pessoa-adulta que sou com a lista das concretizações gerais. Tudo para chegar ao plano das festas para as próximas décadas. Já que sou pessoa de cumprir com metas e objetivos, e acho prudente não desiludir de uma vez só uma criança, uma adolescente e uma mulher adulta.
Para começar, fui à minha torre-do-tombo mental, para analisar os arquivos mais antigos. Lembro-me bem de que, quando era criança, achava que seria fácil acumular carreiras. Queria ser professora de windsurf, merceeira, pediatra e bailarina. Professora de windsurf porque eram os anos oitenta. Merceeira porque a Dona Natália da mercearia do meu prédio era a pessoa que possuía mais guloseimas do meu círculo de conhecimentos, além de ter uma máquina registadora cheia de botões. Pediatra porque me parecia coisa de grande responsabilidade e bailarina porque daria tudo por um tutu e umas sabrinas cor-de-rosa. Além dessas ambições profissionais, lembro-me de achar que aos 25 já teria tudo resolvido na vida (filhos inclusive) e de ter pavor de entrar numa igreja vestida de noiva com toda a gente a olhar para mim. Definitivamente, noiva era coisa que não queria ser na vida.
Posto isto, consigo perceber que, apesar de não ter sido nenhuma das coisas que ambicionei enquanto criança, a ideia de acumular profissões sempre me atraiu. E, de facto, durante muitos anos conciliei a investigação em Sociologia com a música, e hoje acrescento à música muitas outras atividades associadas, mas nem por sombras tenho tudo resolvido e fui mãe bastante tarde. Curiosamente, a parte de ter pavor à ideia de fazer uma festa de casamento é a que se mantém mais vívida. Definitivamente, continuo muito mais Mafalda do que Susaninha.
Pensando nas minhas aspirações de adolescente, era suposto ter sido jornalista ou politóloga. Sendo que o mais perto a que cheguei foi escrever estas crónicas e ter uma compulsão bizarra por programas de comentário político. De resto, acreditava que nunca iria comprar uma casa, para não ficar endividada até à terceira idade, coisa a que tenho resistido, mas que estou a rever porque a adulta-que-sou gostaria muito de ter uma casa com quintal para chamar sua. E jurava que iria morar para o campo, de preferência perto de Vila Nova de Cerveira (não sei bem porquê), com os meus três ou quatro filhos. Coisa que entretanto se tornou difícil, não apenas porque adiei demasiado a maternidade para isso ser viável sem grandes atropelos, mas porque, depois do primeiro, estou na fase de duvidar se terei coragem para ter mais um em tempo útil.
Uma coisa engraçada é que a adolescente-que-fui nunca sequer projetou viver da música um dia mais tarde, porque isso era demasiado mirabolante enquanto possibilidade, numa geração em que o rap só era ganha-pão para dois ou três no País inteiro. E o facto de isso se ter concretizado faz com que a minha vida adulta seja muito mais fixe do que a adolescente-que-fui poderia ter imaginado. E, só por isso: pontos para mim.
Quanto à adulta-que-sou, além do que se mantém das ambições anteriores (ter uma casa no campo, ter mais um filho e não ser uma noiva), reitera a vontade de ter mais do que um ganha-pão (porque isto da música pede um plano b), adia a casa no campo, para ter primeiro uma casa com quintal na cidade (assim que a bolha imobiliária o permitir) e acrescenta duas coisas para a velhice: estudar belas-artes e aprender italiano. Isso mesmo. Quando for grande quero estudar escultura e aprender a falar a língua de Dante. Serei uma espécie de Miguel Ângelo em avó. Nada mais, nada menos do que uma mulher do Renascimento pós-reforma, que vai para a faculdade com os putos e diz palavrões gesticulados. Acho que a criança e a adolescente-que-fui assinariam por baixo: temos um plano!
(Crónica publicada na VISÃO 1399 de 26 de dezembro)