1 – É muito importante a iniciativa do Governo/Ministério da Justiça de apresentar um alargado e coerente conjunto de propostas para combater a corrupção. E é muito positiva também a criação de um grupo de trabalho, constituído por especialistas, que no exigente prazo de três meses sobre elas se pronuncie, no quadro de uma estratégia global e integrada daquele combate*. Depois, espera-se que o Governo dê a si próprio um prazo curto para, ponderadas as conclusões do grupo, enviar a sua proposta de diploma para a Assembleia da República (AR). Entretanto, deve iniciar-se já o debate público e nos partidos. Para que depois a discussão e a aprovação da(s) lei(s) na AR possam dar-se ainda nesta primeira sessão legislativa da atual legislatura. (Nota negativa: aquele grupo integra, e bem, representantes do CSM, do MP, da PJ. Mas não da Ordem dos Advogados: o que não se compreende, quer por uma questão de princípio, quer por os advogados serem os mais sensíveis aos direitos da defesa).
2 – Assinalei, de forma inequívoca, a importância da iniciativa, porque de cada vez que se faz o que é preciso ser feito, cada vez mais as reações são apenas – “mas…”, “é só conversa”, “já não era sem tempo”, “se calhar, não sai do papel”, etc. E assinalo outro aspeto decisivo: todos, exceto os poucos beneficiários dela, condenam e querem ver eliminada a corrupção. Porém, para lá desta unanimidade fácil, o difícil, o complexo, é saber quais as formas mais eficazes de o fazer. Eficazes respeitando, sem margem para dúvidas, as regras do Estado de direito, mormente as que enformam a legislação penal, processual e substantiva. Mas também sem escapes e interpretações que levam à paralisia ou inoperacionalidade do sistema; sem admitir uma infinidade de recursos e expedientes dilatórios que fazem com que se eternizem os processos e não transitem em julgado as decisões.
3 – Aqui reside o essencial, o nó górdio da “questão”. Sublinho-o visando alertar para: a) a dificuldade do trabalho a prosseguir; b) a polémica que necessariamente vai suscitar; c) a impossibilidade prática de chegar a um resultado consensual. Assim, para se concretizar o objetivo em vista, e num prazo razoável, é forçoso ter consciência, à partida, de que vai haver discordância(s), à chegada… Isto dito, creio que, quanto às medidas mais de fundo, é pacífico acabar com os megaprocessos e com o prazo de um mês após o ato de corrupção para a denúncia do corruptor ou do corrompido lhe poder valer redução ou isenção de pena.
Já é muito mais complicado e discutível um processo de negociação de pena (que em minha opinião nunca deverá ter a amplitude que tem nos EUA); e, claro, criar “juízos especializados” – que a terem essa competência exclusiva violariam o nº 4 do artº 209 da Constituição. E, polémica máxima, será o da “delação premiada”, impensável nos moldes em que existe no Brasil. O que não exclui que seja aprofundada e ampliada a possibilidade de uma significativa redução da pena para quem colabore com a justiça em termos que estão estudados e que em geral é decisivo nas grandes investigações.
- A informação a que recorro é a constante de uma exemplar longa notícia, da autoria de São José Almeida, no Público de segunda-feira, 9.
(Opinião publicada na VISÃO 1397 de 12 de dezembro)