Não tenho nada contra as narrativas infantis clássicas nas quais as meninas ou princesas eram salvas por um príncipe valente que as resgatava de uma madrasta horrível, de uma torre inexpugnável ou de um soberano tirano. Também não tenho nada contra o mito da maçã envenenada oferecida por uma bruxa com uma enorme verruga no nariz, ou ainda em relação a uma fada ofendida por não ter sido convidada para um batizado real que lança uma maldição sobre uma princesa e o seu séquito e põe o staff inteiro de um palácio a dormir por tempo indefinido por causa de um fuso maldito. O que me irrita nestas narrativas é o que elas representam na sua essência: mulheres fracas e ingénuas que se deixam armadilhar por pessoas más e rapazes fortes e corajosos que as vão salvar, e ainda que é preciso esperar e sofrer para viver um amor feliz.
Malta, a ver se nos organizamos: nem o sexo feminino é fraco como o querem pintar nessas e em outras histórias, nem o masculino tem vontade ou capacidade para nos salvar de bruxas malignas, feitiços poderosos, madrastas invejosas e dragões ferozes. Nada disso corresponde à vida real. Os homens até podem encarnar o grande herói, mas não o fazem com as suas parceiras, porque têm irmãs mais novas ou filhas para quem representam esse papel. Os filhos – e as filhas em particular – são perfeitas para um homem se transformar num herói: não desafiam o progenitor e não existe concorrência. Além disso é muito mais natural um homem sentir vontade de proteger um ser pequenino e frágil que chora quando esfola os joelhos ou quando lhe roubam uma boneca do que uma mulher com a vida feita.
Uma mulher com a vida feita é muitas vezes vista como um dragão, mesmo que seja uma princesa, porque uma vida feita e organizada representa força, poder, sucesso e independência. Uma mulher com a vida feita tem bastante dificuldade em explicar a um homem que precisa dele afetivamente, apesar de não depender dele materialmente. O que para as mulheres é uma evidência, para os homens pode ser m enigma. Ao longo da minha vida ouvi demasiadas vezes a frase ela já tem tudo, não percebo o que quer de mim, sou só a cereja no topo do bolo. Nada mais errado, caros senhores; se uma mulher atingiu a realização profissional, é totalmente independente e tem tempo para um homem, isso quer dizer que gosta mesmo dele.
O amor é o oposto do interesse. Gostamos daquela pessoa não apenas por todas as qualidades que nos atraem, mas apesar de todos os defeitos que nos chateiam. Gostamos porque sim, e se não precisarmos nem do seu dinheiro, nem do seu status, então o cavalheiro em questão deveria entender que talvez lhe tenha calhado a sorte grande.
O paradigma feminino mudou muito depressa nas últimas décadas em muitas áreas e essa mudança deixou alguns homens aos papéis. Não é que não gostem de admirar uma mulher forte ou não se sintam protegidos pela sua força, mas isso não é sinónimo de quererem essa mulher ao seu lado. Muitos preferem a linha da indefesa-dona-de-casa-boazinha-que-não-faz- perguntas que vive para tomar conta da casa e dos meninos, enquanto eles fazem o que lhes apetece, porque sabem que ela depende deles em tudo, ou quase tudo. Os homens gostam de dominar e é muito mais fácil e simples dominar a rapariguinha dos fósforos ou a Rapunzel que vive encarcerada numa torre do a Daanerys, Mãe dos Dragões. Não é por acaso que o sempre indeciso e deprimido Jon Snow mata a mor da sua vida no final da saga. Já dizia Oscar Wilde each man kills the thing he loves.
O novo paradigma da mulher poderosa e independente criou um arquétipo híbrido, o da Princesa- Dragão. Elas estão ao mesmo tempo presas na torre que projeta uma relação na qual são protegidas e no campo de batalha a combater monstros e dragões. Esta atitude proativa faz com que se transformem em dragões aos olhos de alguns homens que ficam sem leitura para este modelo complexo, feito de uma combinação improvável. Mas esse é talvez um dos maiores encantos do eterno feminino: nós podemos – e sabemos – ser as duas coisas ao mesmo tempo, princesas e dragões, consoante aquilo que precisamos.
Não há nada de errado em liderar uma empresa com 300 trabalhadores e ansiar por um ombro forte e um abraço protetor no fim do dia. No fundo também é aquilo que os homens desejam, que o regresso a casa seja o descanso do guerreiro. Ainda acredito que é melhor ter em casa uma mulher inteligente e desafiadora do que uma dona de casa de avental que se realiza a regar as plantas do terraço e se gaba de aproveitar as promoções da semana do hipermercado da área de residência.