O Natal de 2018 já lá vai e o de 2019 está à espreita, mas os trabalhadores da Cervejaria Galiza, no Porto, não viram nenhum dos respetivos subsídios, há vários anos que recebiam o salário a prestações, o último de outubro nem chegou por inteiro. Como as contas não se podem pagar na mesma modalidade, e as bocas para alimentar comem diariamente, no dia 9 do mês passado fizeram greve, “pelo pagamento dos direitos, contra as manobras da gerência, contra a descapitalização, o desvio de dinheiro da sociedade e má gestão, pela viabilização e garantia dos postos de trabalho”, lê-se no comunicado do sindicato.
Até aqui, infelizmente, nada de novo e de seguida também nada de original. Aconteceu, como quase sempre, pela calada da noite e aproveitando também o dia de folga, e não fora o acaso de um dos trabalhadores passar pela Rua do Campo Alegre ao número 55, dois dias depois da greve, a gerência teria retirado as máquinas e o recheio do restaurante, consumando o encerramento definitivo do estabelecimento.
A partir daqui já é mais original, e incrível. Ironia do destino ou instinto de sobrevivência, este trabalhador logo avisou os colegas que rapidamente se juntaram, impedindo a retirada do material e organizando a reabertura de portas no dia seguinte. Foi então feito um acordo para que o estabelecimento continuasse a funcionar, sendo gerido pelos trabalhadores até ser encontrado um investidor. Na semana passada, uma reunião chegou a estar confirmada, mas foi adiada.
Vinte e quatro dias depois, com turnos de 24 sobre 24 horas, estes corajosos continuam a fazer de tudo para que saiam francesinhas, marisco, pregos e finos gelados. Contou, e muito, a solidariedade invicta das gentes do Porto e do País. Saldaram o subsídio de Natal em atraso, o que faltava do salário de outubro, o salário de novembro e ainda regularizaram uma fatura de eletricidade de milhares de euros, evitando assim o corte de energia.
A Cervejaria Galiza foi fundada a 29 de julho de 1972, é local de referência e uma casa icónica na cidade do Porto. Os seus trabalhadores, alguns com três décadas de casa, já viram muita gente esperar anos a fio para que lhe pagassem o que é seu por direito e perceberam que, para defenderem os postos de trabalho e a viabilidade do negócio, não tinham alternativa, teriam de se chegar à frente, resistir e arregaçar as mangas.
O capitão é o último a abandonar o navio, mas já foram tantas as vezes em que foram os primeiros, que estes marinheiros se transformaram em capitães e com muita coragem e solidariedade têm mantido a rota. Amanhã realiza-se nova reunião no Ministério do Trabalho, em que, por exigência do sindicato e da CGTP, participarão também a Segurança Social, o IAPMEI e o IEFP, para que a solução seja encontrada e se defendam os postos de trabalho e a viabilidade da cervejaria.
A Cervejaria Galiza e os seus trabalhadores já fizeram História, e pode ser que, da próxima vez que um capitão queira ser o primeiro a abandonar o navio, outros marinheiros não desistam e assumam o leme.
(Opinião publicada na VISÃO 1396 de 5 de dezembro)