O país político acordou sobressaltado com as notícias de que haverá, para os lados do Governo, grandes tensões em torno da elaboração do Orçamento do Estado. Passando por cima do facto de não ser habitual, neste Governo, que este tipo de discussões seja tão evidentemente soprado para a comunicação social (o que por si só é um facto político), vale a pena, apesar de tudo, tranquilizar a nação. Desde logo lembrando a história pátria: não há executivo desde o 25 de Abril em que não tivessem existido tensões entre o ministro das Finanças e os vários ministros setoriais. É da própria natureza do processo de construção de orçamentos. Depois, repetindo o óbvio ululante: o País saiu de eleições, o Governo mantém a sua popularidade em níveis razoáveis, a direita lambe as feridas, Bloco e PC não se podem dar ao luxo de abrir uma crise política, a Europa e a nossa irresponsabilidade passada condicionam largamente a nossa autonomia orçamental, Costa não está preparado (ainda) para deixar cair Centeno. Não se avizinha nenhuma crise política de monta. Com mais ou menos arrufos, teremos orçamento de 2020 sem dramas de maior.
O que parece ter escapado à maioria dos comentadores, e que julgo ser digno de nota, é de natureza bem diferente. Garante o jornal Público, e não vejo razão para duvidar da informação, que o todo-poderoso Centeno aplica uma regra prática na hora de distribuir o Orçamento do Estado pelos seus colegas de Governo: brinda cada um com 1% de aumento sobre a dotação orçamental do ano anterior.
Este método expedito é todo um programa político. E este automatismo burocrático é uma curiosa metáfora da governação socialista.
Senão, vejamos. A última vez que fui verificar, governar significava fazer escolhas. Num contexto em que, por definição, os recursos são sempre escassos, trata-se de alocar recursos a prioridades políticas. Trata-se de ter um qualquer programa para o País, trata-se de ser capaz de o ajustar em função de uma qualquer leitura da conjuntura, e de, em função disso, arriscar fazer escolhas. Trata-se de ter a coragem de dizer não, de deixar para trás funções e opções que não se afigurem prioritárias, essenciais ou possíveis. Mas trata-se também, bem entendido, de fazer apostas. De perceber que há funções que o Estado não pode descurar, que têm de ser defendidas com visão e sem sombra de temores.
A opção burocrática de Centeno é o contrário de tudo isto. É a opção deliberada pela não política. É a dispensa radical de qualquer opção reformista. É um hinoao imobilismo. E é, sobretudo, o caminho que nos trouxe até onde estamos: uma crise sem precedentes no SNS, uma situação explosiva nas forças de segurança, um clima de sobressalto permanente entre os professores, uma falência das mais variadas infraestruturas. Não o digo por demagogia política, muito menos por discordar de uma gestão saudável das contas públicas. Afirmo-o por imperativo matemático: num momento em que vivemos sob a maior carga fiscal de sempre, em que nunca tantos recursos foram mobilizados para financiar o Estado, é impossível não perceber, em face dos sinais que chegam de todos os lados, que a manta não estica.
A realidade clama por opções. O método Centeno serve-nos paralisia em modo incremental. Só por acaso é que esta história acaba bem.
(Opinião publicada na VISÃO 1396 de 5 de dezembro)