– É melhor esperares lá fora. A sala é pequena – e empurrou o marido para a sala de espera.
– É seu marido? Também pode entrar – disse eu.
– Não é preciso. Ele espera, ele espera.
Uma mulher simples, nem alta nem baixa, nem bonita nem feia, nem nova nem velha. Sentou-se à minha frente com uma menina de cerca de um ano ao colo. A criança tinha sido enviada pelo médico de família por suspeita de epilepsia.
– Então diga-me lá o que a traz por cá…
– A menina tem uns ataque e fica toda roxa, como morta.
E lá foi contando, contando, interrompida pelas minhas perguntas, para esclarecer alguns pontos. Chegamos finalmente à história da família.
– Alguém da família tem epilepsia?
– O meu marido tem, mas o pai da menina não.
Não percebi. A menina só tinha 15 meses.
– Ah, casou de novo?
Fez-se um silêncio. Ela virou a filha para ela, içou-a no ar, mirou-a com um olhar de adoração e disse-lhe:
– Não há maneira! Vamos ter que lhe contar!
Em seguida deu-lhe um beijo repenicado e voltou a sentá-la no seu colo virada para mim.
– Ó doutora, vou ter que lhe confessar uma coisa. Aos padres e aos médicos temos que dizer a verdade não é? O meu marido não é o pai da menina. Nunca contei isto a ninguém, mas agora tenho que me confessar.
Fiquei curiosa e lancei o isco.
– Não devo estar a entender bem. O seu marido não é o pai da criança?
– Ó doutora, eu estava casada com ele ia para seis anos. Fomos ao médico e ele não quis fazer exames. Eu fiz e estava tudo bem. Então pensei: se eu posso ter um filho, não vou adoptar um de outros. E se o Bento não souber de nada eu posso engravidar doutro homem e ele vai julgar que o filho é dele. Meu dito meu feito. O problema foi decidir quem me havia de cobrir. Sim senhora doutora, que isto foi como os animais, eu só queria emprenhar. Mas tinha que ser alguém que não desse com os dentes depois. Ora nós vivemos na casa dos meus sogros, com o meu cunhado, irmão dele, que é casado e tem seis filhos. Fui falar com ele e pedi-lhe para, em segredo, me fazer um filho. Ele lá concordou e prometeu nunca contar a ninguém. Fui com ele umas três vezes e quando se me atrasou o período soube que tinha conseguido o que queria. Ele a seguir queria continuar com a festa, mas eu neguei-me. Nunca lhe tive sentimento, foi só para engravidar. Depois, nunca mais! E para que ninguém desconfiasse, tive com ele uma zanga, discutimos em frente a toda a gente e eu e o meu marido saímos da casa dos meus sogros e fomos morar sozinhos. Até cortei relações com ele, nunca mais nos falamos. Teve que ser, assim estamos todos bem e não se estragou nenhuma família. E o meu homem está tão contente! Nasceu esta menina linda, que ainda por cima é a cara escarrapachadinha dele. Percebe agora, doutora? A menina não tem epilepsia nenhuma, aquilo só lhe dá quando não dobra o choro…Eu tinha que lhe contar a verdade a si, porque a médica de família achou logo que a menina tinha epilepsia porque o meu marido tem.
– Tem razão, minha senhora. Pela sua descrição, não são crises epilépticas. Fez bem em contar-me a verdade. Mas dou-lhe um conselho: não conte esta história a nenhum médico nem padre lá da sua terra…
E dei-lhe o conselho que a minha mãe me deu, passado de boca em boca por muitas gerações.
– Quando tiver muita vontade de contar, abra uma caixa e conte lá para dentro. Em seguida, enterre-a bem fundo no seu quintal! Há segredos que devem ir intactos connosco para a cova.
(Todas as histórias que envolvem doentes são ficção, baseada em casos reais e na prática clínica da autora)