Cinco anos após ter sido detido para ser interrogado por um juiz, José Sócrates é interrogado esta semana por outro juiz. Findo este interrogatório, decidir-se-á se Sócrates irá a julgamento, durante o qual é provável que venha a ser submetido a vários interrogatórios.
Como se vê pela relação que mantém com a maior parte dos jornalistas, Sócrates não gosta muito que lhe façam perguntas. Mesmo que seja inocente, só em interrogatórios já cumpriu uma pena bem pesada.
Tendo em conta a minha idade e estilo de vida, é improvável que eu consiga assistir ao desfecho deste caso. Mas tenho pena. Primeiro, José Sócrates disse aos amigos que era rico, por via da mãe, herdeira de uma fortuna. Depois, disse aos juízes que era pobre, e precisava da ajuda de um amigo, que lhe emprestava dinheiro – embora ele não saiba quanto é nem quando vai pagar. Tenho muita curiosidade de saber se Sócrates dará outras versões da sua vida económico-financeira. Não sobram muitas mais hipóteses. Um dos maiores desafios deste caso é saber a que classe social pertence José Sócrates. É rico às segundas, quartas e sextas; pobre às terças, quintas e sábados? Quem pede quantias avultadas a um amigo é um milionário ou um pedinte? São questões importantes porque, segundo se costuma dizer, em Portugal há uma justiça para ricos e outra para pobres. Como é que o tribunal sabe que justiça administrar a uma pessoa de classe indefinida, como José Sócrates? A resposta não é simples. Como tem ficado claro em entrevistas e escutas telefónicas, Sócrates é pobre teoricamente, mas rico na prática. Foi para Paris com dinheiro que não era dele, apresentar uma tese que não foi escrita por si, e publicá-la num livro que obteve um lugar nos tops que não lhe pertencia. É um pelintra com a prosápia e o estilo de vida de uma pessoa abastada. Esta é a combinação ideal porque a prosápia não paga impostos e ele não tem dinheiro em seu nome que se possa taxar.
Uma das perguntas clássicas que se costuma fazer a candidatos políticos é: “Quanto custa um bilhete de metro?” O objectivo é avaliar o grau de contacto do candidato com a vida real. Quem não tem muito dinheiro precisa de fazer contas e sabe bem o preço das coisas.
Sócrates não tem dinheiro, mas não parece fazer ideia nenhuma de quanto as coisas custam. Quando os procuradores o acusaram de levar uma vida faustosa, respondeu, celebremente: “A vida faustosa é ir tirar um mestrado para Paris? Querer que os filhos acabem o liceu numa escola internacional?” De facto, quando pensamos em todas aquelas pessoas remediadas que mantêm filhos em escolas internacionais ao mesmo tempo que vão estudar uns anos para Paris, não podemos deixar de concordar que talvez a acusação se tenha precipitado.
(Crónica publicada na VISÃO 1391 de 31 de outubro)