Uma mulher faz um lar e um homem faz um bar.
Este aforismo faz parte da minha já extensa coleção privada, constituída por frases que me saem em jantares de amigos ou de família, crónicas na imprensa onde escrevo há mais de 30 anos, livros, ou mais recentemente, coisas que me dá para escrever no FB ou no Instagram.
“Uma mulher faz um lar e um homem faz um bar” saiu-me há muitos anos, quando um amigo decidiu separar-se e explicou-me que não dava conta das tarefas domésticas desde que vivia sozinho. Tinha alugado um apartamento acanhado para os lados da Estrada da Luz, onde existia um sofá na sala, um telão gigante e uma lâmpada pendurada numa rosca no teto a ferir os olhos. No quarto, um colchão, malas espalhadas por toda a casa e, claro, o dito cacho de bananas no frigorífico, perdido entre caixas de cartão que acolhiam as mais variadas garrafas de Minis.
– Não sabes que as bananas se estragam mais depressa no frigorífico? – perguntei, perante o cenário de desolação doméstica.
– Achas que estou a pensar nas bananas? – respondeu com o olhar perdido e vazio.
Um apartamento não é uma casa e uma casa nem sempre é um lar. Um lar é uma casa de família onde existe uma estrutura afetiva e logística que acolhe quem lá vive. Um lar pode ter os brinquedos das crianças desarrumados no corredor e pratos no lava-loiças, mas não tem lâmpadas despidas no teto nem bananas a apodrecer no frigorífico, porque há sempre alguém que zela pelo estado das bananas, mesmo que seja uma esposa submissa, uma banana com olhos, que os fecha intencionalmente às aventuras extra-conjugais do cônjuge, sempre em prol da harmonia familiar.
Um lar é aquele lugar onde o guerreiro finalmente descansa, depois das guerrilhas laborais, das picardias com os colegas e de todas as batalhas que os homens travam fora de casa. A questão é que hoje tudo isso se aplica às mulheres que trabalham fora de casa e que também precisam de descanso quando chegam ao final do dia. Todos precisamos de um lar para descansar, mas nem todas as pessoas têm jeito, gosto ou capacidade para criar um lar. Para tal, é preciso ter espírito de dona de casa e levar as tarefas domésticas ou com brio ou com estoicismo, que são, afinal, quase a mesma coisa.
Um dos grandes defeitos das sociedades latinas é não desmamar os bezerros. Existem em inúmeras culturas ancestrais rituais de iniciação à idade adulta. Os rapazes são largados na selva, deixados em cavernas, obrigados a enfrentar o incerto e o desconhecido e a sobreviver por sua conta e risco perante toda e qualquer adversidade. Nos Estados Unidos, o processo de desmame é feito quando os filhos vão estudar para uma universidade quase sempre longe da cidade-natal.
Contudo, a malta do sul da Europa e da América Latina não está para isso; parece que as mães – e não raro os pais – preferem morrer a deixar os filhos abrir as asas e aprender a voar, mesmo que partam uma asa ou entortem uma perna numa aterragem mal calculada. Nada disso. Mesmo quando os rebentos saem do lar, há sempre aquela boa intenção de fornecer comida que é levantada em tupperwares, e, já agora, lava-se a roupa do menino e engomam-se as camisas para o menino não fazer má figura no seu posto de trabalho onde se faz de forte, dando murros no seu próprio peito e gritos de Tarzan se for o caso.
Nada contra as mulheres que cuidam do seu lar com amor e carinho, eu mesma sou uma Maria das Almofadas, sonho dia e noite em ter a casa num brinco, mas daí a fazer de empregada doméstica por causa de uma alegada incapacidade para a gestão das tarefas diárias vai um salto gigante que nunca vou dar. Um namorado ou marido tem de saber arranjar um estore, ir à praça comprar peixe, reciclar o lixo, forrar o edredão e, já agora, passar as suas próprias camisas.
Se não queres ser banana, não lhe vistas a pele. E já agora, a melhor forma de conservar as bananas é enrolar um saco de plástico em volta do cacho onde as ditas se unem. Um lar feliz é feito de pequenos truques, muita sabedoria e ainda mais paciência. Bares são no Cais do Sodré e no Bairro Alto.