Quando uma pessoa percebe que já viveu mais de metade da vida e que não vai para nova, é bom que encare o tempo como um bem escasso, por forma a utilizá-lo o melhor que souber. Thomas Jefferson considerava que as três coisas mais difíceis da vida são aceitar um elogio, engolir uma crítica e fazer uso inteligente do tempo. As duas primeiras nem considero que sejam tão complicadas, já a terceira assenta-me que nem uma luva, e o mesmo imagino para os comuns mortais, pois é certo que um dos erros que cometemos com mais frequência ao longo da existência é o da perda de tempo com coisas e/ou pessoas que não valem a pena. Para piorar a situação, é comum demorarmos mais dias, meses ou mesmo anos do que seria razoável para perceber a asneira que estamos a fazer, umas vezes por teimosia, outras por ingenuidade, outras ainda por estupidez amorosa. A estupidez amorosa, designação inventada para esta crónica, consiste na perda temporária ou definitiva das capacidades cognitivas em relação ao outro. Se nos afetar a ponto de perdermos a noção da realidade, pode tornar-se uma patologia. E que nunca passou por tal constrangimento, que atire a primeira pedra.
Para que se faça uma gestão inteligente do tempo no que respeita às paixões, entusiasmos, flirts, aventuras, casos, e outras expressões possíveis de manifestações mais ou menos amorosas, é muitos importante, se não mesmo crucial, ter em atenção em tudo o que se ouve e se diz nas primeiras conversas. Não acredito na teoria da conspiração amorosa que professa que as pessoas mentem por sistema ou que nos escondem as verdades mais importantes. Pelo contrário. Nas primeiras conversas, estamos sempre mais próximos daquilo que somos, independentemente da impressão que queremos dar. Mesmo que tudo seja mais ou menos medido, o tom de voz, o vocabulário escolhido, os temas a desenvolver e a evitar, o outro é ainda um desconhecido e nós um desconhecido para ele, portanto pouco ou nada temos a perder. As camadas começam a aparecer mais tarde, à medida que a relação se adensa e queremos mais. Contudo, é o início que se joga muita coisa. É preciso ouvir com todos os sentidos e fazer as perguntas que forem importantes sem medo das respostas. E já agora, deixar dito o que consideramos fundamental para a outra parte perceber como funcionamos, mesmo que demore meses ou anos a entender como somos.
Estou em crer que um dos motivos que leva ao fracasso das relações é a falta de conversa. As pessoas estão tão focadas em querer impressionar o outro e em retirar do outro aquilo que mais lhes interessa naquele momento, que se focam nos aspetos exteriores em vez de ouvir o que o outro tem para nos dizer. E o tempo não respeita o que é feito sem ele. Conversar é sobretudo ouvir. Ouvir com paciência, com bonomia, com o coração aberto e com intuição. Deixar o outro falar, dar-lhe corda, atenção, tempo de antena, dar-lhe palco e importância, apanhar o fio à meada e deixar correr o marfim. O resto vem naturalmente. As pessoas sentem-se confortáveis quando as pomos à vontade e correm riscos quando se sentem seguras. E todos precisamos de carinho e de atenção, mesmo que o que se siga não seja uma história de amor.
As primeiras conversas também são um alerta para detetar defeitos complicados, cabeças avariadas, corações partidos, medrosos incuráveis, narcisistas, inseguros crónicos e falhas de caráter. Muita atenção a alguém que diz mal do ex-marido ou da ex-mulher sem nenhum prurido, ou que se faz de vítima, nunca é bom sinal. Alguma atenção também àquelas pessoas que falam com uma mão perto da boca ou que não olham a direito. Quem não olha a direito também não corta a direito.
Uma boa conversa pode levar-nos ao fim do mundo, com rede ou sem rede, a cruzar o arame ou a voar no trapézio. Cada um atravessa-se na medida e da forma que assim o entender, mas antes de levantar voo ou de vestir o maillot de franjinhas e paillettes, convém ouvir e falar, bater bolas e trocar ideias, convém usar os miolos e os sentidos antes que todos os sistemas cognitivos se desliguem num voo mais elaborado. No fundo é como seguir uma lista de procedimentos numa aeronave antes da descolagem. Não tem de ser tão técnico, mas é sempre prudente, porque o importante não é a queda, mas a aterragem.