Amamentar é um compromisso muito sério. Há a ideia romântica de que é um processo intuitivo e que basta pegar no bebé ao colo e tudo acontece milagrosamente, de forma prazerosa e suave, mas a realidade é bem diferente.
No meu caso, essa parte de o bebé saber o que fazer intuitivamente aconteceu e, na verdade, consegui ultrapassar as fases difíceis, que fazem grande parte das mães desistirem nas primeiras semanas. Mas nem assim consigo dizer que tem sido pera doce.
Há mil vantagens, é certo. É um momento de grande intimidade e vínculo com o bebé. É muito mais rápido do que esterilizar biberões, aquecer água, misturar o leite, esperar que arrefeça, para depois ter de lavar e recomeçar tudo de novo. Já para não falar no dinheiro que se poupa. Mas há imensos segredos e técnicas para que corra tudo bem e há vários percalços a contornar.
A informação é a chave. A ajuda especializada também. E sinto mesmo que, se não fossem as aulas de preparação, não teria sabido evitar os problemas habituais e, por esta altura, muito provavelmente já teria desistido. Até porque, segundo as estatísticas da UNICEF, apenas 30% das mães portuguesas continuam a amamentar até aos seis meses.
Ainda assim, após estes meses de experiência, sinto que as sessões do curso de preparação para a maternidade dedicadas ao aleitamento foram pouquíssimas. Depois de muitas aulas sobre o parto (momento importante, mas que dura um ou dois dias no máximo), despacha-se a preparação para a amamentação em três ou quatro horas, quando se espera que esta dure meses e quando cada detalhe, por si só, dava um tratado.
A pega é essencial e exige todo um universo interminável de dicas. Se a pega corre mal, tudo corre mal. Depois a subida do leite, os problemas a evitar, as fissuras, o ingurgitamento, as mastites… Os acessórios que nos podem ajudar e a sua serventia, dos mamilos de silicone aos arejadores, passando pela lanolina e pela escolha do sutiã certo. A retirada de leite com bomba e o seu armazenamento, para voltar ao trabalho ou para qualquer eventualidade.
Já para não falar das inúmeras possibilidades e decisões, problemas e soluções, como ter demasiado leite, como ter pouco leite, ter um bebé preguiçoso que adormece na mama, dar ou não dar biberão ou chupeta e as implicações que isso pode ter na pega, amamentar em livre demanda ou com horários rígidos, como suplementar (quando necessário) sem prejudicar a amamentação, ter um bebé que se engasga muito ou bolsa demasiado, o desmame e outras mil possibilidades de dúvida que nos aparecem (inevitavelmente) pelo caminho.
Ufa! É toda uma avalanche de informação para evitar um dominó de problemas que acaba em desistência. Mas como a lista de vantagens é esmagadora e a convicção firme, faz-se. Há dias felizes e fáceis. Dias longos e noites intermináveis. Momentos de ternura inigualável e outros que só com muita paciência.
Nos primeiros tempos, sobretudo, há dores, inchaço, camisas sempre molhadas, nódoas da lanolina que usamos para cicatrizar as mazelas, dúvidas e incertezas. Será que é suficiente? Será que foi demais? Será de qualidade? Porque é que ele chora a meio? Terá sido rápido demais? A insegurança é grande, mas o pior é mesmo a falta de liberdade. A trela curta. O tempo contado entre uma mamada e outra. A claustrofobia desse compromisso de ser a única pessoa que pode alimentar a criança. A não ser, claro, extraindo leite previamente, comprando as horas de liberdade com mililitros sacados à bomba. Isso e os ciclos de sono sempre curtos. As noites retalhadas. A exaustão.
Mas, depois, há aqueles olhinhos fixados nos nossos, a espreitar por trás da mama. A mãozinha que passeia no nosso peito, fazendo festinhas, ou pousada em concha na nossa pele. O hálito a leite morno. A ronha. Essa magia que recarrega a ocitocina da nossa convicção. Há a saúde de ferro, as regueifas rechonchudas e a mais delicada forma de intimidade. É tudo precioso demais.
(Crónica publicada na VISÃO 1383 de 5 de setembro)