As questões demográficas estão na ordem do dia, pela evolução dramática que têm tido entre nós. Os portugueses estão substancialmente mais velhos, face a dois fenómenos que concomitantemente para isso concorrem: um, positivo, tem a ver com a longevidade, já que cada vez vivemos mais anos; outro, negativo, porque a natalidade tem baixado sustentadamente nas últimas décadas e não consegue compensar, nem o envelhecimento, nem a mortalidade. Salva-nos, em parte, o movimento migratório, com saldos positivos e com gente mais nova.
Desde o ano 2000 o índice de envelhecimento da população portuguesa saltou da paridade entre jovens até aos 15 anos e adultos acima dos 65 anos (índice 98,8), para um peso muito superior deste último escalão etário (índice 157,4) em 2018. Nestes quase 20 anos, o número de portugueses com mais de 80 anos aumentou cerca de 80%, representando hoje aproximadamente 655 mil pessoas (6,4% do total da população quando em 2000 representava apenas 3,5%).
Este envelhecimento acentuado, quase sem paralelo a nível europeu, tem um reflexo particularmente marcante nos serviços de saúde. Hoje, o contingente dos mais velhos domina esmagadoramente a procura de cuidados de saúde e alterou profundamente a tipologia dos doentes e do mapa epidemiológico. Os serviços de urgência hospitalar estão maioritariamente ao serviço de utentes muito idosos, com quadros clínicos em que os problemas respiratórios, as doenças cerebrovasculares, as fraturas do colo de fémur, a insuficiência cardíaca, as infeções urinárias, a desidratação e a desnutrição, são frequentes e exigem o seu internamento. Se estes são os diagnósticos principais, estes doentes trazem associadas, em regra, outras patologias que agravam o seu estado de saúde, em que as dislipidémias, a diabetes, a hipertensão e as úlceras de decúbito (as escaras) pontificam. Cerca de 90% das camas de Medicina Interna instaladas no SNS estão ocupadas por estes doentes, em que a média de diagnósticos associados por doente é superior a 10, ou seja, o doente é portador de 10 ou mais doenças em simultâneo! São por isso, doentes muito complexos, muito frágeis, com doenças crónicas irreversíveis, com elevada comorbilidade, com grande risco de infeção e de mortalidade e com elevada probabilidade de ficarem mais de 10 dias internados.
Estes doentes deveriam ter, e terão que ter no futuro, outra abordagem socio-clinica. Em defesa de um sentido mais humano de cuidar, no respeito pelas suas circunstâncias e necessidades, em prol da sua dignidade e do seu bem-estar.
Apesar de louváveis exceções, a Medicina em Portugal mantem ainda a organização por especialidades, em que cada especialista intervém na sua vez e raramente concilia estratégias terapêuticas com os seus pares. Os doentes são “obrigados” a ir às consultas de cada especialista no dia em que lhes são marcadas (ao hospital ou ao centro de saúde) e isto torna-se um verdadeiro inferno, para os próprios e para as famílias, que têm que prever os transportes, muitas vezes em ambulância, os horários e conciliar os exames complementares e as terapêuticas que cada médico institui. Imagine-se o esforço que isto pressupõe para doentes com mais de 80 anos, alguns acamados!
Do lado das estruturas de resposta – médicos de família, hospitais, unidades locais de saúde e cuidados continuados integrados – raras são as experiências em que o doente é objeto do concurso simultâneo de uma equipa integrada e mais raro ainda que essa equipa vá a casa e constitua aí o espaço adequado para tratar doentes crónicos com grandes dificuldades de mobilidade.
A população idosa deve ter acesso a um projeto, sempre que possível individualizado, de promoção da sua saúde e de prevenção e controlo das suas doenças, preferencialmente na comunidade e no domicilio. Com isso se evitarão muitas idas às urgências, muitos internamentos, muitas infeções e alguma mortalidade. Grande parte das doenças crónicas, desde que devidamente acompanhadas por profissionais a trabalhar em equipa (do diagnóstico à reabilitação) podem ser controladas em ambulatório e permitir ao doente uma qualidade de vida razoável e com dignidade. Utilizando menos recursos e dispensando, por vezes, o uso de recursos altamente sofisticados.
O programa de hospitalização domiciliária que este governo iniciou já este ano, pode ser uma peça importante deste puzzle mais amplo em matéria de modelo e de objetivos. No mesmo sentido parece posicionar-se a ideia de criar equipas móveis para as zonas rurais de baixa densidade. Mas estes projetos não podem ser iniciativas avulsas, sem um enquadramento estratégico que privilegie a prestação integrada de cuidados e coloque o foco na população mais idosa e na comunidade, adaptando os serviços e os profissionais às suas necessidades. Estamos sempre a dizer que os portugueses vivem cada vez mais anos, mas que a qualidade de vida nos últimos anos é uma das mais baixas da Europa. Esta é a prova de que este SNS não está realmente preparado para estes desafios.
Chegou o tempo de fazermos diferente. É destas reformas na saúde que o futuro do país precisa. Racionaliza recursos e trata melhor as pessoas.