Se alguém acordasse de um coma de meia década e olhasse hoje, sem saber de que partidos são, para os discursos e propostas políticas em Portugal em fase de pré-campanha, ficaria de certeza com um nó na cabeça. Então mas a esquerda é que é a zeladora inabalável das boas contas? E é a direita que quer arriscar o equilíbrio orçamental e os compromissos do défice e baixar impostos à bruta? Esta inversão dos papéis e propostas tradicionais dos partidos dão para confundir qualquer cidadão que venha com ideias preconcebidas. Circunstâncias dos tempos e da conjuntura, da habilidade de uns e de demérito de outros, isto anda tudo trocado.
Na verdade, desde que era candidato a secretário-geral do PS que António Costa batia na tecla de que queria acabar com a ideia feita de que só a direita zelava pelas contas públicas (como tinha feito na Câmara Municipal de Lisboa). Com a ajuda preciosa de Mário Centeno, não só o conseguiu como alcançou um marco nunca antes atingido: inscreveu no currículo deste Governo o défice mais baixo da democracia, nos 0,5% do PIB. É verdade que a dívida pública é a terceira maior da União Europeia, que o investimento público andou sempre abaixo do orçamentado e que há serviços públicos a rebentar pelas costuras, mas as boas contas ninguém lhes tira, bafejados por uma conjuntura económica favorável (quando este Governo chegou, o País já levava oito trimestres consecutivos de crescimento económico) e por uma mudança do discurso internacional a favor de aligeirar a austeridade.
Do lado inverso, temos o PSD e o CDS, os guardiões da aritmética orçamental na legislatura anterior, que impuseram, a mando da Troika, um aperto do cinto brutal ao País, a lembrar agora sistematicamente que “há mais vida para além do défice”. E que é preciso mais investimento público. E a propor uma brutal… redução de impostos. Assunção Cristas anunciou que quer baixar em 15% a taxa média de IRS e o IRC para 12,5%, no prazo de seis anos, ao mesmo tempo que bate na tecla de “uma redução de impostos para pessoas e empresas no Interior”. Rui Rio anunciou que quer fazer um corte na carga fiscal em 3,7 mil milhões de euros até 2023, com uma redução de taxas nos escalões intermédios do IRS, da taxa mínima do IMI e dos valores do IRC, além do IVA do gás e eletricidade, que minguaria para os 6% no uso doméstico. Em vésperas de eleições, tanta generosidade fiscal soa bem, não soa? O pior é que soam também os alarmes.
Como é que serão compensadas estas enormes descidas nas receitas fiscais? Ninguém soube explicar muito bem. Resumindo, a ideia é mais ou menos esta: o País vai crescer mais, e por isso ao fim do dia vamos ter mais dinheiro. Dito assim, custa um bocadinho a acreditar. Desde logo, porque embora o conceito de “Base Broadening and Rate Reduction” em que assentam os choques fiscais (e em que está subjacente um alargamento da base de pagantes e uma menor carga fiscal) seja interessante do ponto de vista conceptual, os efeitos não são garantidos e muito menos no curto prazo, ainda por cima numa altura do ciclo económico em que todas as entidades preveem um abrandamento do crescimento. E, mesmo dando como boa a teoria de que a economia cresceria mais com impostos muito mais baixos, como é que se vai fazer face nos primeiros anos a esta brutal diminuição da receita tributária nas contas públicas? Vamos voltar aos défices elevados? Vamos andar para trás, e durante quanto tempo?
O problema destas propostas, neste contexto, é que são tremendamente arriscadas. E precisam de ser mais bem concretizadas, sob pena de lhes faltar credibilidade. O País já teve o seu choque nos tempos da Troika. Ouvir falar em mais choques – e mal explicados – causa, no mínimo, uma certa ansiedade. É que, em vésperas de eleições, quando a esmola é muita, mesmo o pobre desconhecedor de Economia desconfia…