Há duas novas e claras perceções que eu sinto crescer sempre que, nos últimos tempos, viajo para outros continentes e que, com tempo e vagar, ultrapassadas as barreiras linguísticas, contacto com as pessoas locais. A primeira, mais espontânea e imediata, é a de que existe uma preocupação cada vez maior com os riscos e os efeitos das alterações climáticas, o que faz com que o assunto salte, de forma natural, para as conversas mais banais, sempre com exemplos reais sobre a imprevisibilidade do clima, informações concretas relativas às alterações inesperadas na época das colheitas, relatos de sucessivas ondas de calor e descrições pormenorizadas sobre a maior ocorrência de avalanches ou deslizamentos de terras nas grandes montanhas. Percebe-se, em especial entre as populações que vivem da agricultura ou do pastoreio, que esta consciência crescente acerca do aquecimento global é alicerçada na experiência quotidiana e não em qualquer intoxicação informativa, como gostam de proclamar os “negacionistas do clima” que não sujam os sapatos para ouvir estas pessoas e que também se recusam a acreditar nos relatórios científicos sobre a matéria.
A outra perceção talvez não seja ainda tão generalizada, mas é crescente e inegável: num mundo cada vez mais “igual” e globalizado, a Europa está, claramente, a perder a importância e a imagem de relevância que granjeou nos últimos séculos. Embora continue a atrair milhares de imigrantes – mas também a fechar-lhes as portas! – , já não exerce o mesmo fascínio e admiração que se sentia, noutros tempos, por esse mundo fora. Pior ainda: vista à distância, como testemunhei nas últimas três semanas nas cidades, vales e montanhas do Quirguistão, na Ásia Central, a imagem que a Europa transmite para o exterior é, infelizmente, a de uma União desunida, pouco solidária entre si, enredada em clivagens internas e onde são, por isso, cada vez menos luminosos e evidentes os valores da liberdade, da tolerância, da democracia e do progresso social – exatamente os valores que deviam continuar a ser o seu fator de diferenciação no mundo atual, cada vez mais dominado por líderes autocráticos e musculados.
Esta é uma perceção totalmente diferente daquela que se sentia ainda não há muitos anos. Lembro-me, por exemplo, de testemunhar, há cerca de década e meia, um genuíno fervor europeu em algumas das regiões mais pobres e desfavorecidas do Interior da Turquia, quando ainda se acreditava que o país podia cumprir o seu sonho de entrar para a União Europeia. Hoje, nesta zona do globo, ao longo dos vales e montanhas da antiga Rota da Seda, entre a Europa e o Extremo Oriente, já não é o exemplo do progresso social europeu que parece atrair as pessoas, muito mais interessadas no dinheiro que pode vir de Pequim, na proteção militar que ainda continua a emanar de Moscovo e em novas oportunidades de cooperação com outros países poderosos de um espaço geográfico onde, contas feitas, vive metade da população mundial do planeta. A Europa – e os seus valores diferenciadores – é vista como uma realidade cada vez mais longínqua, confusa e com tendência para ser ainda menos exemplar.
O processo utilizado para se chegar à escolha dos nomes que vão liderar o projeto europeu nos próximos cinco anos também não ajuda nada à imagem da União Europeia – tanto dentro como fora das suas fronteiras. Quando as decisões mais importantes continuam a ser tomadas em intermináveis maratonas negociais, entre os governantes dos Estados-membros, numa espécie de jogo de sombras em que os interesses individuais se parecem sobrepor aos do coletivo, torna-se praticamente impossível fazer do “modelo europeu” um exemplo para qualquer região do globo, além de terem, igualmente, um efeito pernicioso no seio da própria UE: depois deste “jogo de cadeiras” quem poderá voltar a garantir que as eleições para o Parlamento Europeu são mesmo importantes? É melhor que nos lembremos disso, daqui a cinco anos, quando nos voltarmos a confrontar com os valores assustadores da abstenção.
(Editorial publicado na VISÃO 1375 de 11 de julho de 2019)