Em todos os relatórios oficiais e académicos e nos rankings públicos e privados, o Hospital Público gerido diretamente pelo Estado perde nas comparações nacionais e internacionais com os seus congéneres europeus. E os critérios que mais prejudicam o Hospital Público de gestão direta estão todos relacionados com custos, eficiência e produtividade.
Que razões podemos encontrar para estes resultados?
a) Custos
Os hospitais públicos de gestão direta apresentam custos relativos mais elevados em Recursos Humanos, sobretudo pelo número superior de profissionais por doente-padrão e a sua menor produtividade: mais profissionais tratam menos doentes. Perde também no equilíbrio entre profissões, apresentando um claro excesso de médicos e um número insuficiente de enfermeiros, técnicos superiores e pessoal administrativo e auxiliar. Adquire bens e serviços a um preço mais elevado, porque os prazos de pagamento são incomportáveis para os fornecedores, que vão a concurso já com margens que acautelam esses atrasos. Na manutenção de instalações e equipamentos, os tempos de paragem por avaria ou por remodelação/reparação são muito elevados, por força do subfinanciamento, que não deixa margem senão para pagar salários.
b) Gestão dos tempos de internamento
No hospital público de gestão direta, a utilização das camas apresenta menor rotatividade para taxas de ocupação similares, porque doentes clinicamente homogéneos ficam mais tempo internados. Isto demonstra uma pior organização do trabalho médico, com mais dias de internamento e consequente aumento dos riscos de infeção nosocomial.
c) Modelo de gestão
A ideia, muitas vezes difundida, de que os gestores privados são melhores que os gestores públicos, não corresponde à verdade, já que muitos dos primeiros são recrutados no setor público, justamente pela sua competência e experiencia. Poderão, isso sim, estar mais motivados, e as razões para isso poderão dar-nos a chave para os melhores resultados.
Os gestores do hospital público de gestão direta, têm menos autonomia e o seu poder formal, no planeamento, nas decisões e no controlo de gestão, reflete-se pouco no funcionamento das instituições, porque é submerso pelo poder informal das principais corporações profissionais, que tentam sempre moldar o funcionamento das instituições aos seus interesses particulares ou de grupo. As administrações públicas vêm-se, assim, manietadas, de cima para baixo, por ordens e instruções de serviço que lhes travam qualquer iniciativa de modernização gestionária ou a simples contratação de um assistente operacional e, de baixo para cima, pela pressão dos interesses internos, poderosos e insidiosos, que contrariam a orientação estratégica, têm esquemas próprios e independentes de avaliação e promoção hierárquica e um modelo sui generis de autogestão, em matéria de definição de escalas e horários de trabalho, muitas vezes suportados em orientações “técnicas” das respetivas ordens profissionais. Não há assim, no hospital público de gestão direta, um modelo de governação coerente, que coloque os interesses e as necessidades dos doentes no centro das orientações estratégicas e reconheça o mérito profissional daqueles que para isso mais contribuem. Há, em síntese, uma discrepância sensível, entre o poder formal (dos gestores) e o poder informal ao nível operacional, que cria uma entropia inultrapassável entre o interesse das organizações e o interesse das corporações. O problema é que os gestores percebem isso muito bem, mas sentem-se sem poder para confrontar os interesses corporativos e corrigir práticas despesistas e irracionais e, por vezes, contrárias ao interesse público. Não têm instrumentos nem o respaldo da tutela para intervir com racionalidade e acomodam-se à realidade e aos jogos de poder que encontram e tentam manter em equilíbrio. O recente episódio de tentativa de encerramento das urgências de obstetrícia da Grande Lisboa é bem ilustrativo desse confronto de interesses.
d) A acumulação público – privado
A acumulação de funções entre o público e o privado é mais um elemento perturbador para se definirem horários de trabalho consentâneos com as necessidades diárias de um hospital. O argumento, verdadeiro e muitas vezes invocado, de que o serviço público paga mal e por isso os profissionais dedicam muito do seu tempo ao setor privado, é contrabalançado por horas extra e remunerações pagas a tarefeiros que rejeitam concursos de ingresso nos hospitais públicos, mas exigem fortunas para trabalhar à hora, muitas vezes ao serviço de empresas estranhas de “manpower” médico. Por estas razões, elaboram-se horários irrazoáveis, sem trabalho programado nos períodos da tarde e em que, por vezes, um profissional esgota em 48 horas o seu horário semanal de trabalho, com dispensa de serviço nos restantes dias da semana. Tudo isto introduz despesa excessiva para o erário público, aparente falta de médicos e favorece modelos de intervenção sem equipas integradas e subvertendo a lógica de remuneração hierarquizada pelo mérito, pela dedicação e pela senioridade.
O hospital público de gestão direta vive, assim, numa entropia latente que não agrada aos gestores e é deletéria para a defesa dos interesses dos doentes, para a promoção do acesso e para uma eficiente utilização dos recursos.
Só com uma reforma profunda deste modelo, que promova a autonomia dos gestores, revisite as carreiras profissionais, dotando-as de mecanismos resilientes que favoreçam o mérito, a dedicação e uma remuneração condigna e inovadora, ancorada em incentivos de volume e qualidade, e dote os hospitais de um modelo de financiamento adequado, será possível mudar o atual panorama em que os hospitais gastam desordenadamente e sofrem diariamente com carências de resposta aos seus utentes.
O sucesso desta reforma abrirá a porta ao fim das PPP.