O depoimento de Joe Berardo (JB) na sua audição na Assembleia da República (AR), a propósito da sua avultadíssima dívida à Caixa Geral de Depósitos, num total de dívidas de 962 milhões de euros, constituiu a mais despudorada assunção, ainda por cima com um indisdisfarçável ar de gozo, do privilégio da impunidade conseguida através do poder do dinheiro e da esperteza sem escrúpulos. A capacidade de enganar e ludibriar – com a colaboração, por incompetência ou negligência, se não a cumplicidade, de terceiros. Que se impõe apurar quem foram. Para punir, pelo menos com a condenação das pessoas decentes.
Tratou-se de um espetáculo deprimente. Tão deprimente e envergonhante como significativo do que sucede quando campeia uma total inversão de princípios e valores. Só vendo se acredita. Como foi possível chegar-se onde se chegou? Agora, exige-se aos orgãos de soberania que dentro das normas do Estado de Direito e cada um dentro das suas competências, atue no sentido de pôr cobro ao autêntico escândalo que constitui este “caso” – e de impossibilitar, ou pelo menos dificultar ao máximo, situações semelhantes. Bem sei que é difícil, mas tem de se fazer tudo para o conseguir.
Como expectável, no seu programa na TVI o Ricardo Araújo Pereira, com o seu grande talento, arrasou o conteúdo e a forma da prestação de JB. E de certeza provocou nos espectadores talvez não gargalhadas, mas muitos sorrisos e risos. Ora, embora isso seja natural, até inevitável, creio que comporta o perigo de quem estiver menos atento, ou carecer de mais sentido crítico, minimizar a gravidade do que ocorre(u) com JB, colocando a sua prestação no mesmo plano de outras prestações já naquele programa tratadas, como a da ex diretora da cadeia de Paços de Ferreira.
Aspeto que não tenho visto abordado, é o do acrescido cuidado que devia ter havido na concessão de créditos, e de quaisquer eventuais “benefícios”, a JB, dado o seu currículo nos negócios, para me ficar por eles. Leia-se, por exemplo, a reportagem Os mistérios de Joe Berardo, publicado já no nº 42 da VISÃO (6/1/1994), em cuja entrada se lê: “Aos 19 anos colava rótulos em garrafas de vinho da Madeira, emigrou para a África do Sul, onde vendeu legumes, teve um bar (e cadastro na esquadra), tirou ouro da areia, liderou empresas poderosas que aparentemente ruíram. Agora, aos 49 anos, é um dos homens mais misteriosos do país. VISÂO fez uma longa investigação jornalística e revela facetas desconhecidas do rapaz pobre que hoje tem oito residências de luxo e muitos negócios espalhados, pelo menos, por três continentes. De ser jardineiro num colégio a ter um jardom com cicas, e das cicas à SIC, é um percurso singular e sinuoso…”
Não refutando nada desta reportagem, para fazer a qual Paula Serra (PS) foi à África do Sul, mas apenas com base numa pequena notícia posterior sobre a sua falta a uma audiência relacionada com uma infração de uma empresa que administrava, JB pôs um processo crime a PS e a Cáceres Monteiro, com um ‘gigantesco’ pedido de indemnização. Dos numerosos processos em que fui advogado, em defesa da justiça e da liberdade de imprensa, esse é dos que mais lembro, pela negativa, e gostaria de aqui contar…
(Opinião publicada na VISÃO 1367 de 16 de maio)