“The lights of the city look so good. Almost like somebody thought they would”
The Lights, Victoria Williams
Lembro-me de ir com os meus pais ver a neve. Ficámos num hotelzinho na Guarda e eu passava a vida a ouvir num walkman Aiwa que eu tinha uma cassete com o Tripping The Live Fantastic, do Paul McCartney. Esse álbum é de final de 1990, por isso devíamos estar no ano de 1991. Isso faz com que eu tivesse 12 (se havia neve é porque foi antes de julho, então eu tinha 12 anos). Achei engraçada a neve, o meu pai parava o carro e a minha irmã e eu fazíamos umas bolas de gelo com as mãos que pareciam calhaus de tão duras. Mas a neve não me dizia grande coisa, a Guarda também não. Eu nunca tinha visto nada daquilo em nenhum filme nem tinha ouvido nada daquilo no meu walkman Aiwa. Numa dessas viagens também fomos a Évora. Capela dos Ossos, Templo de Diana, um calor impossível. Eu passava a vida a ouvir a cassete do Comuniquée, dos Dire Straits. He sticks to his guns, he takes the road as it comes; we want to get a statement, for Jesus sake; Belladonna is on the high street, her breasts upon on the offbeat; lady writer on the TV, os campos à volta de Évora impávidos, sem me dizerem nada, aquele bronze queimado a ondular naquela tristeza silenciosa do começo dos tempos e nada, eu nunca tinha visto nada daquilo em nenhum filme nem tinha ouvido nada daquilo no meu walkman, depois num restaurante qualquer daqueles com montras de sobremesa em vidro penduradas na parede, aquelas letras quadradas, cor de laranja, a dizer sobremesas, uma televisão num canto alto a dar a Volta a Portugal em bicicleta e, no intervalo, o anúncio do concerto do Sting em Alvalade, era nesse dia e eu ali, e isso sim, já me interessava, 1 de agosto de 1993, foi fácil de googlar e eu tinha, portanto, 15 anos feitos há pouco tempo.
A Guarda não me dizia nada. Évora também não, porque eu nunca tinha visto nada daquilo. Engraçado, OK, mas, quando não existe aquele confronto com uma qualquer imagem que habite o nosso imaginário, chegar a um sítio que não se conhece é apenas chegar a um sítio que não se reconhece. Quando fui a Los Angeles a primeira e, até agora, única vez da minha vida, senti que era dali. Eu sou daqui porque a sola de borracha das minhas botas está a pisar o alcatrão que provavelmente já foi pisado pelo Axl Rose. Estes prédios e estes táxis sim, do vidro da janela vi ao longe a loja de guitarras Guitars R’ Us do Slash e isto sim, isto é viajar, estas coisas eu reconheço. Vi nos filmes e desta vez tenho um walkman Sony melhor, com melhor som, carregado com uma depuração gravada por mim numa cassete Basf ferro extra com o melhor dos dois Use Your Illusion, e nada no mundo é mais mágico do que estar aqui, olha eu em Hollywood. Em Portugal, não há McDonald’s mas aqui há. E táxis amarelos e a praia de Malibu, Beverly Hills, a mesmíssima Beverly Hills da série de televisão, do Dylan e da Brenda (parece que o Dylan já morreu, mas isso não pode ser, é impossível). Comprei umas sapatilhas All Star brancas e, chegando a Portugal, fui para o jardim de casa da minha avó gastá-las, precisavam de garantir aquela “patine” de quem já andou a passear pela Sunset Boulevard, a mesma Sunset Boulevard onde ficava (fica) o Rainbow Bar do teledisco da November Rain.
Enquanto envelhecia precocemente as pobres sapatilhas na terra agreste de Águas Santas, ocorreu-me que talvez não tivesse sido pior entrar pela porta do Rainbow adentro. Podia ser que a Stephanie Seymour estivesse por lá. Sei lá se não estaria chateada com o Axl, de certeza que sim. Eu tinha 15 anos mas media 1 metro e 87 e tinha uma barbicha no queixo que me dava uns 19 à vontade. Jack Daniels não podia ser, mas eu pedia uma Dr. Pepper de cereja com duas palhinhas, e sabe-se lá o que poderia ter acontecido. Nunca tive grande jeito para supermodelos, mas sempre fui um bom ouvinte. Stephanie, então conta lá o que esse tratante fez desta vez.
ASSINE AQUI A VISÃO E RECEBA UM SACO DE OFERTA