Mas é tema? Vejamos: Nuno Melo, cabeça de lista às eleições europeias pelo CDS-PP, afirmou que “precisamos de pessoas, mas não de quaisquer pessoas”, a propósito da imigração. Naturalmente a sua preocupação – já lá vou – não se estriba nos beneficiários dos “vistos gold”.
Nas suas palavras, “as grandes questões internacionais não se resolvem com romantismos”, e acrescenta: “a lei portuguesa da imigração tinha um sistema de quotas que faz muito sentido. Nós temos de salvaguardar os postos de trabalho internos, temos de salvaguardar que os nacionais têm os seus empregos (…)”
Nuno Melo criou, assim, um tema. É comum a candidatos focados no voto fácil a invenção de um fantasma para, de seguida, protagonizarem uma solução. O populismo é, em grande medida, isso mesmo: soluções fáceis, apelativas, para problemas inventados de forma eficaz, porque geram medo e desconfiança recíproca numa comunidade que se quer coesa.
A legislação europeia e nacional, no sentido de haver qualquer tipo de necessidade de restringi-la, é um tema tão esdrúxulo como o do armamento a que Nuno Melo também deu trela de forma inusitada.
Há algum facilitismo na política/legislação europeia em matéria migratória (rota do Mediterrâneo Central, rota do Mediterrâneo Oriental, outros fluxos migratórios, pedidos de asilo, repatriamento de migrantes ilegais, integração de nacionais de países terceiros) que possa apoquentar alguma consciência de boa-fé? Não. Pelo contrário, a UE já deu provas de preferir a autoproteção ao humanismo e já falhou demais, não para com os cidadãos europeus, mas para com as pessoas desesperadas que, sem romantismo algum, morrem fugidas de guerras cheias de responsabilidade nossa ou que sobrevivem tratadas sem dignidade.
Resta saber se Nuno Melo propõe, concretamente, alguma alteração à designada “lei de estrangeiros” portuguesa. Considera Nuno Melo que a lei, tal como está, põe em risco “os postos de trabalho internos” e que alguma coisa tem de ser feita para salvaguardar os empregos “dos nacionais”? Quer “quotas”? De que tipo?
Francamente, toda a gente ouviu Trump instalar a divisão entre estrangeiros e nacionais, toda a gente ouviu Trump instalar a mentirosa ideia de que o estrangeiro “rouba” o emprego ao nacional. É verdade que foi eleito. Talvez seja por isso que Nuno Melo invente problemas inexistentes.
A política europeia e nacional na matéria que aflige o candidato não é facilitista. Infelizmente, ser imigrante, em Portugal, é um calvário burocrático esgotante e caro, muito caro. Precisamos de imigrantes, e Nuno Melo sabe quais os postos de trabalho que esses imigrantes ocupam. Porque ocupam e não, não são uma malha assustadora de marginais.
Talvez valha a pena perceber que Nuno Melo tem um problema de base: não identifica como português quem não lhe surge, no seu critério, com tal aparência. Não por acaso apelidou de “senegalês” um português e afirmou que esse “senegalês” (ups) estava em Portugal com o “acolhimento” que lhe era devido. Mais acrescentou só exigir uma coisa aos estrangeiros: que respeitem as “nossas leis”. Está aqui tudo: Nuno Melo não percebe que constitucionalmente (Artigo 15/1) nacionais e estrangeiros têm os mesmos direitos e deveres (princípio da equiparação), pelo que Nuno e um imigrante angolano ou egípcio estão, na mesma medida, obrigados e respeitar a lei e legitimados a usufruírem dela. Mas não há como fugir: no mundo de Nuno Melo, o negro nascido no Senegal não havia de ser português. Mas é. E Nuno Melo rejeita instintivamente isto.
Acho que já percebi que lei defenderia Nuno Melo. As leis, de resto.