Se há coisa de que não podemos queixar-nos, pelo menos desde que o IPCC publicou o seu “doomsday report” em outubro do ano passado, é que não sabemos com exatidão como se parecerá um mundo em que a temperatura suba 2 graus acima dos níveis pré-industriais (valor a que chegaremos, com elevada probabilidade, ainda durante as vidas de muitos de nós, se não forem tomadas medidas profundas e urgentes). Já não falo de um mundo sem recifes de corais, de uma biodiversidade ameaçada com uma redução de 16% do número de plantas ou de 8% do número de animais vertebrados, de um ártico sem gelo vários verões em cada década. Falo de mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo expostas a vagas de calor insuportáveis, pelo menos uma vez em cada cinco anos. Sendo que o nosso Mediterrâneo se contará entre as zonas mais afetadas. Falo, também no Mediterrâneo, do risco de secas e de escassez de água a aumentar substancialmente. Falo de quebras de produção agrícola. Falo de regiões e países ameaçados por via do aumento do nível do mar. Falo de migrações forçadas, de dezenas de milhões de refugiados climáticos e da inimaginável disrupção social e política que acarretarão.
Tudo isto é sabido, e, portanto, nada disto pode ser, por definição, considerado espantoso. O que espanta, sim, é perceber que o tema que mais condicionará a vida dos nossos filhos ocupe um lugar tão modesto no rol nas prioridades individuais e coletivas dos portugueses da minha geração e das gerações acima da minha. Confesso não conhecer dados relativos a Portugal, mas um estudo publicado em dezembro último revelava que a maioria dos norte-americanos rejeitava, por exemplo, pagar 10 dólares por mês para combater o fenómeno. E não se diga que é uma excentricidade americana. Deste lado do Atlântico o movimento dos gilets jaunes veio provar, no essencial, o mesmo. Duvido, pois, que sejam os portugueses (da minha geração, não me canso de repetir) a exceção que confirma a regra global.
O que espanta ainda é que o tema não ocupe um lugar central nas agendas políticas dos principais partidos portugueses. Dir-me-ão que o Governo aprovou, bem recentemente, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica e o Plano Nacional de Energia e Clima. E é justo referi-lo, de facto. Mas nem por isso se entende que o Executivo não dê ao tema uma centralidade que enforme e condicione todas as demais políticas. Muito menos se percebe que a oposição não desafie o Executivo a fazer mais ou que não proponha, aqui sim, um fulcral pacto de regime. O que espanta é que, com tanta renovação política, nenhum dos novos partidos que vão apresentar-se às europeias faça da luta contra as alterações climáticas a sua bandeira central.
Mais espantoso (e porventura ainda mais revelador) é que a pouquíssima ocupação deste território político seja feita, exclusivamente, pela esquerda. Não que alguma vez tenha feito sentido entregar, em Portugal, a agenda ambiental à esquerda. Mas é particularmente absurdo que a direita admita que pouco ou nada tem a dizer sobre o assunto que mais condicionará o nosso futuro coletivo nos próximos 30 anos.
Tudo isto é espantoso. Mas tudo isto é, sobretudo, profundamente estúpido. É que, se não for em nome de nada mais relevante, será que ninguém vê aqui uma óbvia e gigantesca oportunidade política?