O ministro do Ambiente e Transição Energética gosta de alvos fáceis.
Temos um problema com plástico? João Matos Fernandes propõe que se proíbam as palhinhas até 2021 – mesmo que as palhinhas representem apenas 0,022% do total de plástico que vai parar ao mar. Por outro lado, metade da “ilha de plástico” do Pacífico é material de pesca abandonado, mas não se lhe ouviu uma palavra a responsabilizar armadores ou a apresentar um plano para impedir o abandono de redes no mar. É mais fácil convencer-nos que a culpa é das palhinhas que acompanham o pacote de leite dos nossos filhos.
Temos falta de água? O ministro ataca-nos com uma campanha bacoca chamada “Vamos fechar a torneira à seca“, enquanto o seu secretário de Estado do Ambiente vai ao ponto de dizer que “é nas descargas das sanitas que os portugueses consomem um quarto do total da água“. Não é verdade, até porque o consumo urbano é apenas 19,6% do total de água consumida no País, segundo o Plano Nacional da Água (obviamente, a maior parte vai para a agricultura, que bebe 74,7%). Mas é mais fácil pôr na rua uns cartazes catitas do que trabalhar num plano estruturado para resolver, por exemplo, os inacreditáveis 30% de água que se perdem na distribuição por causa de fugas na rede, antes de chegar ao consumidor.
Temos muitas vacas a emitir gases com efeito de estufa? É preciso reduzir “os apoios até 2050 no setor da agricultura e agropecuária”, diz Matos Fernandes – acrescentando, porém, que “isto vem também no quadro de uma maior liberalização do comércio no mundo, onde a carne de vaca vai chegar a Portugal a preços mais competitivos em muitos casos em relação aquela que conseguimos produzir”. Traduza-se: vamos reduzir a produção de vacas e passar a importar mais, para que sejam os outros, e não nós, a poluir (e ainda somamos o custo ambiental do transporte, como bónus). Claro que para o planeta é indiferente que as emissões venham de Portugal ou da China. Mas isso para o ministro não interessa nada.
Temos uma fatura da luz muito alta? Matos Fernandes sugere que os portugueses baixem a potência contratada para 3,45 kVA, para assim poderem beneficiar do IVA reduzido. Uma potência dessas dá para um frigorífico, uma televisão, um computador e uma máquina de loiça OU roupa. Quer ligar o microondas? Desligue a televisão. Quer carregar um telemóvel? Desligue o computador. Tem um fogão elétrico? Desligue o frigorífico.
E chegámos agora ao gasóleo. “Hoje é muito evidente que quem comprar um carro diesel muito provavelmente daqui a quatro ou cinco anos não vai ter grande valor na sua troca”, disse o ministro numa entrevista ao Jornal de Negócios, no contexto da transição para a mobilidade elétrica. Face ao bruá provocado por esta sentença de morte do diesel, Matos Fernandes insistiu, justificando a declaração do óbito com “os estudos que estão no PNEC [Plano Nacional Energia-Clima 2030] e no Roteiro para a Neutralidade Carbónica.”
Primeiro, não há qualquer referência específica ao desaparecimento dos automóveis a gasóleo no Roteiro para a Neutralidade Carbónica nem, que se saiba, no PNEC (pelo menos na sua longa apresentação do PNEC, na semana passada, não consta qualquer referência ao diesel). No caso do Roteiro, é referida a redução da procura de gasolina e gasóleo no seu conjunto. Pelo contrário, quando o diesel surge isolado, é para dizer que se prevê a “continuação da dieselização (65% do consumo do gasóleo em 2010 versus 71 a 72% em 2020)”. Mais: “No que diz respeito ao transporte rodoviário de mercadorias, importa diferenciar os veículos ligeiros dos pesados. A mobilidade dos últimos até 2045 continua a ser assegurada exclusivamente com recurso ao gasóleo.”
Segundo, ligar o fim dos carros particulares com motores diesel à descarbonização da economia, como meio de combater as alterações climáticas, é um sinal de ignorância ou de desonestidade intelectual – os motores a gasóleo emitem, em média, menos dióxido de carbono (CO2) do que os motores a gasolina. Segundo os cálculos de um investigador da Universidade de Exeter, Inglaterra, um automóvel a gasolina emite um quilo de CO2 a cada cinco quilómetros; um diesel percorre 8,3 quilómetros para emitir o mesmo quilo de CO2. O mais irónico é que os motores diesel se popularizaram na Europa na sequência do Protocolo de Quioto, a primeira tentativa global de reduzir os gases com efeito de estufa, precisamente com o argumento de que eram a forma mais rápida e prática de diminuir as emissões do setor dos transportes.
Infelizmente, o planeta e o corpo humano nem sempre têm os mesmos interesses, e a realidade é que as emissões de partículas finas e de óxidos (monóxido e dióxido) de azoto são nefastas para a saúde – e essas emissões são maiores no gasóleo do que na gasolina. É por essa razão, aliás, que muitas cidades estão a planear limitações aos diesel. Mas as alterações climáticas não têm nada que ver com isto. Faria mais sentido ser a ministra da Saúde a disparar contra o gasóleo.
O ministro do Ambiente tem razões para querer impulsionar a venda de carros elétricos – Portugal comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050. Mas esse objetivo não justifica o dedo espetado ao diesel. Quando muito, deveria ter alertado que os carros a combustão, sejam eles quais forem, vão perder o seu valor comercial, vítimas da luta contra as alterações climáticas.
Já agora, também era bom que o ministro tivesse alguma noção da realidade do País, antes de comparar o incomparável: “Se for carregado em casa, o preço do quilómetro [do carro elétrico] fica a 15%”, atira. Talvez no mundo de Matos Fernandes toda a gente tenha garagem. No mundo real, não – só uma em cada quatro casas à venda em Portugal tem garagem.
Comam bolos?