De repente, muito mais do que a realidade sem distorções, sem aproveitamentos políticos e sem o que excessos corporativos justificariam, o Ministério Público (MP) tem estado em foco e no centro de polémicas. Primeiro, a polémica suscitada ou montada em torno da substituição de Joana Marques Vidal. E, agora, a de uma alegada vontade do Governo alterar a composição do seu Conselho Superior (CSMP), visando substituir a atual maioria de magistrados do próprio MP por uma maioria de eleitos ou nomeados por órgãos de soberania. Sinistro objetivo para o qual, segundo o presidente do sindicato, já existiria até um acordo entre PS e PSD…
Lá iremos. Antes, porém, recorde-se que, ao contrário da magistratura judicial, o MP “representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania”. O MP é, por isso, uma magistratura “hierarquizada”, tendo no topo o/a procurador/a-geral, para lhe dar a indispensável legitimidade democrática designado/a pelo Presidente da República sob proposta do Governo, que por sua vez emana do Parlamento.
Até por isto, ou também por isto, seria legítimo e democrático que o CSMP tivesse mais membros eleitos pelo Parlamento e designados pelo Presidente da República e pelo Governo do que só escolhidos entre os pares – como acontece, aliás, com o Conselho Superior da Magistratura. E nem faltam democracias em que pelo menos uma certa dependência do PGR em relação ao Governo é assumida – como já foi defendido entre nós, em particular por um conhecido jurista conotado com a “direita”.
Por mim, sempre defendi a maior autonomia possível do MP e ainda concordo com a atual composição do CSMP (“ainda”, por não poder excluir a hipótese de o tal corporativismo vir a impor mudança). O que me coloca bem à vontade para considerar inadmissíveis certas posições e declarações do Sindicato do MP e em particular do seu presidente. Porque:
Primeiro, da proposta do Governo nem sequer consta a referida alteração da composição do CSMP; segundo, assim sendo não pode haver nenhum acordo a esse respeito entre PS e PSD; terceiro, é do domínio do “delirante” decretar uma greve para fevereiro por causa desta mudança que nem se verificará; quarto, e pior, faz ataques, na base de processos de intenções – o poder político estaria a querer “calar” o MP –, que ultrapassam de longe o que sobretudo um magistrado com as suas responsabilidades deveria dizer. Mais, segundo o Público, afirmou: “Não contem connosco para algum tipo de jogos que visam atacar o País, a democracia e o sistema de justiça.”
Mas como é possível, para não dizer mais, que o presidente de um sindicato de magistrados se faça assim juiz do que serve Portugal e a democracia? – implicitamente “condenando”, e de forma tão violenta, quem tem, com todo o direito a tê-la, opinião diferente da sua e do sindicato, como é o caso de Rui Rio. Aliás, no MP poderá estar a ocorrer qualquer coisa preocupante, de que pode ser sintoma ou consequência o facto de o magistrado proposto pela nova procuradora-geral para um muito importante cargo na estrutura não ter sido eleito pelo CSMP.
(Artigo publicado na VISÃO 1347 de 27 de dezembro de 2018)