1 – Consumou-se a já esperada vitória de Jair Bolsonaro (JB) nas Presidenciais brasileiras. E, embora sem a amplitude que cheguei a admitir, por uma assinalável diferença de cerca de dez pontos e um mais de dez milhões de votos: JB ganhou em 16 estados, Fernando Haddad (FH) em onze. Feito o balanço deste e dos outros atos eleitorais – para deputados, senadores e governadores –, conclui-se que se a enorme rejeição ao PT, se não o “ódio” ao PT, constituiu um poderoso combustível do êxito de JB, ao nível dos principais partidos, o fundado por Lula foi o que menos sofreu no tsunâmi político que varreu o país: foi o que mais deputados elegeu e o seu candidato presidencial, FH, passou à 2ª volta, obtendo cerca de 45 milhões de votos; ora, o PMDB, de Temer, e o PSDB, do ex-Presidente FHC, sofreram uma queda brutal.
2 – Assim, o PT passará a ser o inquestionável líder da oposição a JB. Isto explica que, face a um clima de intransigência e de violência que já fez vítimas e se teme que faça mais, no seu discurso de “vencido”, Haddad tenha enfatizado muito a importância e a necessidade de “coragem”. E que na sua segunda intervenção após eleito, o discurso formal, Bolsonaro tenha feito um breve apelo a que tal violência não se verifique. Aliás, o facto de o PT ser o líder da oposição facilitará a difícil tarefa de JB formar Governo e conseguir uma base maioritária de apoio no Congresso. Mas saber à custa de quê, (se) e como será paga, é uma das numerosas perguntas que quando tiverem resposta ajudarão a perceber como será o futuro próximo do país, em que, a julgar pelo percurso e por décadas de afirmações do Presidente eleito, se tem de admitir poder estar em risco a democracia.
3 – E tal explica que, na citada segunda intervenção, JB haja acentuado, e ainda bem (mas na circunstância poderia ser diferente?), que respeitará a Constituição, assegurará a democracia, etc. Enquanto numa primeira intervenção, só pela internet, em cima da mesa tinha a Constituição e a Bíblia, ambas referidas, e só “mostrado” uma biografia de Churchill, para dar a ideia de que seria para ele um modelo ou exemplo democrático. Será? Só gente de muita fé poderá acreditar. Mas fé não falta a Bolsonaro e seus numerosos afetos, que logo a seguir, de mãos dadas, agradeceram a Deus a eleição, através da prédica de um pastor (mas também senador), desses que vemos nas reportagens sobre igrejas ou seitas muito televisivas, que disse: “Os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sem as mãos de Deus.” Se tivesse assistido a isto tudo, incluindo a invocação silenciosa do seu exemplo por parte de quem defendeu a ditadura e elogiou um torturador, Churchill haveria de sorrir e de, talvez irónico ou cético, lembrar-se da sua frase “não há mal nenhum em mudar de opinião, desde que seja para melhor”. Ámen.
4 – Dois dos sinais importantes sobre a evolução próxima no Brasil serão: a) o que se vai passar com a investigação sobre o uso indevido das redes sociais por parte da candidatura de JB, revelado pela Folha de S. Paulo; b) se vão cessar ou crescer agressões, pressões e ameaças a jornalistas, que já tiveram preocupante expressão, atingindo até profissionais de reconhecido destaque e prestígio.
(Artigo publicado na VISÃo 1339, de 1 de novembro de 2018)