Vivemos em estado de embriaguez nacional com a bola, mas, parecendo que não, há um mundo que continua a girar para além dos tweets dementes de Bruno de Carvalho e dos avanços da Seleção no campeonato do mundo na Rússia. Parecendo que não, acontece nesta semana aquela que é a mais importante de todas as cimeiras em mais de uma década e, se calhar, a mais importante desde 1993. Em discussão quinta e sexta-feira está verdadeiramente o futuro da Europa, ou a sua salvação enquanto projeto duradouro de união, paz e prosperidade. Estamos focados nos relvados, mas por estes dias joga-se em Bruxelas o agora ou nunca da União Europeia. São estes os lances decisivos do “mata-mata”:
1. Sobreviver em tempos de cólera Depois do Brexit, o mapa político na Europa corre o risco de mudar drasticamente por força do crescimento imparável dos populismos. Nunca como agora há tantos países europeus liderados por pessoas avessas ao projeto europeu. Já havia o tenebroso Viktor Orbán na Hungria e Beata Szydlo na Polónia, mas foi a Alemanha que verdadeiramente fez soar o alarme, com a chegada no outono passado da AfD de extrema-direita ao Bundestag. Depois disso, seguiram-se a Áustria e a República Checa com vitórias claras para partidos extremistas ao Governo. Se todos estes eram países mais pequenos e periféricos, o mesmo não se pode dizer de Itália, a terceira maior economia europeia. Neste caldo dos extremos apurado por desilusão, crise económica, crise das democracias liberais e um claro sentimento antielites, a União Europeia é malvista. Não vale ignorar os problemas e ostracizar uma minoria cada vez maior e menos silenciosa. O risco é a desintegração forçada por saídas sucessivas determinadas por partidos anti-Europa. Ignorar isto é como fingir que não se está a ver o elefante na sala.
2. Superar o desafio da imigração A Europa tem falhado em conseguir falar a uma só voz em matéria de política de migrações, abrindo clivagens irrecuperáveis quando alguns países se permitem violar todas as normas e fechar as portas a refugiados. Fica clara a falta de solidariedade intereuropeia e a inexistência de uma partilha de princípios comuns em matéria de direitos humanos. É preciso resolver por dentro e definir uma política comum nesta matéria decisiva, mas também agir além-fronteiras. Provavelmente estava certo o presidente do Parlamento Europeu quando pediu um “Plano Marshall para África” de 500 mil milhões de euros a fim de ajudar a resolver o problema, durante a próxima década, na origem. Isto não vai lá só atirando dinheiro para regiões que são caldeirões de interesses e conflitos, mas, sem uma pacificação a jusante, as fronteiras europeias continuarão sob pressão.
3. Assumir-se como líder mundial A nova tática estratégica no campo onde Donald Trump entrou a matar é a do protecionismo. A Europa tem de se ajustar a esta realidade, em que perdeu o principal parceiro económico, diplomático e militar, e libertar-se de vez do “ombro amigo” dos Estados Unidos da América. Exige-se que a Europa assuma uma (só) voz forte.
4. Envolver os pequenos Angela Merkel e Emmanuel Macron podem fazer o pandã que quiserem, mas os outros países tratarão sempre de lhes lembrar que a Zona Euro é um jogo que se joga com 19 jogadores com interesses muitas vezes antagónicos e não apenas com dois Cristianos Ronaldos. Deixar
os pequenos países no banco é garantia
de derrota certa.
Ser treinador neste campeonato exigente do “mata-mata” é desafio para sobredotados. E o problema maior é que eles não se vislumbram…
(Editorial da VISÃO 1321, de 28 de junho de 2018)