O caso do apartamento comprado por Fernando Medina a uma familiar dos detentores da empresa de obras públicas Teixeira Duarte, independentemente da opacidade ou da transparência do negócio, convoca uma série de reflexões. A primeira conclusão é a de que não está estabelecida qualquer relação entre o negócio particular firmado entre o presidente da Câmara de Lisboa e a vendedora (sra. Isabel Maria Teixeira Duarte, neta do fundador da empresa e prima do atual presidente da firma), e qualquer contrato entre a CML e a Teixeira Duarte. Ou seja, esta história, convenientemente vinda a lume em vésperas de eleições autárquicas, não parece, desse ponto de vista, ter ponta por onde se lhe pegue. Sentindo-se injustamente ameaçado, Ferrnando Medina disponibilizou, e bem, no seu site de campanha, todos os elementos, informações, detalhes e documentos do negócio de compra e venda, o que nos permite esclarecer a dúvida principal que poderia colocar-se: ou seja, com o seu salário de autarca, onde arranjou dinheiro para a compra de um andar de luxo no valor de 650 mil euros. Ao que parece, tanto os sogros como os pais deram uma ajuda (como tantas vezes acontece nas famílias comuns), tendo ainda sido usado o dinheiro auferido pela venda da casa anterior, cerca de 490 mil euros. O remanescente conseguiu-o com recurso a crédito bancário. Louve-se a disponibilidade do candidato para tudo esclarecer e tudo pôr em pratos limpos.
Dito isto, subsistem algumas perplexidades em torno de todo este dossiê.
A primeira perplexidade que se coloca é a que resulta de ficarmos a saber que o autarca teve negócios particulares com uma das herdeiras de um importante promotor, uma empresa de obras públicas com relações, digamos assim, de prestação de serviços, com a própria autarquia. Nada há de ilegal nisto, mas não é isso que está em causa. A questão é que o nexo que as notícias insinuavam entre esta transação e o ajuste direto para uma obra de 5 milhões de euros, embora não exista, pode ser estabelecido no espírito da opinião pública. A desmontagem dessa “coincidência” parece estar feita. Mas Medina devia ter tido mais cuidado. Há aqui um claro julgamento moral que pode e deve fazer-se. Não sabemos se houve mais interessados na casa, se ela estava à venda nalguma imobiliária, se o negócio se fez por intermédio dos sogros de Medina (que já viviam no mesmo edifício e, provavelmente, conheciam a proprietária) ou se ele sobreveio na sequência do conhecimento ou das relações profissionais ou pessoais que, na qualidade de autarca, naturalmente terá com os vários promotores – e que o cidadão comum, que também podia estar interessado no imóvel, naturalmente não tem. Ou seja, como conseguiu ele esta oportunidade de negócio. A transparência também tem a ver com isto tudo. Sobretudo tendo em conta que, apesar dos valores envolvidos, o apartamento pode ter sido uma pechincha.
A segunda perplexidade, parcialmente esclarecida, teria, inicialmente, a ver com a capacidade de endividamento de uma pessoa cujo salário, como presidente da CML, indexado ao salário do Presidente da República, é a metade do deste, ou seja, cerca de 3700 euros ilíquidos, acrescidos de despesas de representação (25%). Falta saber qual o rendimento global do casal Medina. Mas sabe-se que esta família teve capacidade financeira para adquirir uma propriedade de 650 mil euros. Ora, isso já foi explicado por Medina, no seu site, conforme referimos anteriormente. Só a casa anterior rendeu-lhe a parte de leão de que necessitava, sem precisar de se endividar significativamente. O que resta da perplexidade está aqui: registe-se o facto de a propriedade anteriormente detida por Fernando Medina ter um valor praticamente equivalente ao que dá direito a um visto gold…
A terceira perplexidade é a mais subjetiva de todas – e nem sequer é bem uma perplexidade. É mais uma ironia da vida, carregada de significado político. Um dos principais problemas da cidade de Lisboa é o da habitação. A oposição a Fernando Medina tem identificado casos de gritantes deficiências no alojamento em habitação social. Os munícipes, por seu turno, vêem todos os dias os preços das casas, incluindo os das respetivas rendas, a subir, atingindo, nalguns casos, montantes proibitivos que inviabilizam a sua instalação no centro. A habitação foi, aliás, uma das áreas definidas como prioritárias, num próximo mandato, pelo próprio Fernando Medina. Ora, não deixa de ser irónico que o presidente da Câmara, primeiro responsável político pela área da Habitação, em Lisboa, possa dar-se ao luxo de adquirir um andar caríssimo numa das melhores zonas da capital. Sendo ele, ainda por cima, o rosto de uma candidatura… socialista.
Sejamos claros: se pode, o cidadão Fernando Medina tem todo o direito a comprar os andares que quiser e a morar onde lhe aprouver. Mas eu, se fosse um cidadão carenciado, à espera de casa há vários anos, e a dividir o meu tugúrio com uma família de 12 pessoas, era com extrema incomodidade que iria votar nele. É demagógico, mas é humano.