Parece hoje claro que os resultados das eleições britânicas foram influenciados por dois fenómenos provavelmente inter-relacionados. O primeiro foi o do aumento da participação dos jovens que terá favorecido os trabalhistas. O segundo foi, curiosamente, o tema do Brexit que esteve praticamente ausente da campanha. De facto, e a fazer fé nas análises pós-eleitorais, em boa parte dos círculos eleitorais em que o voto se transferiu diretamente dos conservadores para os trabalhistas, a opção pelo Remain tinha sido maioritária no referendo.
A par da sustentabilidade dos acordos de paz na Irlanda do Norte, a questão do Brexit será, portanto, um dos grandes temas da agenda britânica nos próximos tempos. Sê-lo-á no plano interno na medida em que a opção entre hard Brexit ou soft Brexit pode ser fatalmente divisiva no país e no partido conservador, podendo mesmo levar a uma queda do frágil governo de May. E sê-lo-á no plano externo na medida em que a falta de um consenso em torno de uma saída mais radical torna a posição negocial do Reino Unido inegavelmente mais fraca.
Mas o cisma geracional agora claramente exposto, e que parece correr a par desta divisão do país em torno da relação do país com a UE, levanta um problema mais vasto, mais profundo e mais interessante. Refiro-me ao problema político da legitimidade intergeracional. Aquilo que se discute – ou devia discutir – é em que medida uma geração de eleitores tem legitimidade política para decidir sobre uma qualquer questão que condiciona, sobretudo, o futuro das gerações mais novas. Ou, mais gritante, que molda o futuro de gerações a que nem sequer foi ainda dada uma voz.
Esta questão é tão mais importante porquanto não se coloca só – nem sobretudo – a propósito do Brexit. Os acordos de Paris que Trump recentemente rasgou são outro exemplo flagrante. De acordo com os cânones da ciência política tradicional é difícil sustentar que a agenda protecionista e de curto prazo do Presidente Americano não é inteiramente legítima. Trump tem um mandato claro para governar e nunca sequer fez segredo do que pensava em matéria ambiental. Mas quem defende os americanos (e, já agora, os não americanos) por nascer que sofrerão integralmente as consequências de um aquecimento global? Que legitimidade tem a geração que elegeu Trump para escrever os termos de um futuro que já não será seu?
A lista de exemplos não acaba. Se quisermos citar um nacional podemos também recuar até à famosa invenção (ou deturpação) das PPP que mais não são do que um instrumento de empurrar para o futuro e para as gerações sem voto, os custos de políticas cujos benefícios são apropriados no presente.
O tema, fascinante, não tem uma solução óbvia. As instituições democráticas não estão preparadas para acomodar esta contradição. Além do mais parece óbvio que não podemos nem poderemos nunca auscultar os que ainda não são. Mas será absurdo dizer que poderemos limitar a ação e o poder de decisão dos que já não serão?
Uma única coisa parece certa. A dimensão temporal terá, mais cedo ou mais tarde, de ser enxertada no edifício demoliberal. De outra forma agudizar-se-ão até à insustentabilidade os problemas da sua legitimação política.
(Artigo publicado na VISÃO 1268, de 12 de junho de 2017)