Com o aproximar da final do Campeonato da Euro, cada um de nós vai fazendo contas às suas esperanças e dúvidas, certezas e incertezas. E no meu caso, desde aqueles cinco minutos em que Ronaldo e Nani arrumaram com o País de Gales, que da minha cabeça não sai outra ideia que não seja a de que Portugal vai ser Campeão! Independentemente de saber se o adversário seria França ou Alemanha (venha o diabo e escolha!), da minha memória não deixaram de passar, desde esse momento, recordações que, à medida que surgiam, iam criando em mim a crescente convicção de que isto, desta vez, tem mesmo de ser nosso.
Não sou um tipo crente, nem acredito em destinos traçados. Mas confio muito na justiça, mesmo sendo este um dos conceitos mais maltratados no futebol. E estou plenamente convencido de que esta seleção nacional vai, finalmente, fazer justiça ao talento, à qualidade e ao génio de três grandes gerações do futebol português que, de 1996 até hoje, mereciam ter-se sagrado campeãs.
Naquele estoiro de cabeça de Cristiano recordei as imagens televisivas dos golos de Eusébio à Coreia, em 66. E aquele golo de Nené, em 1984, contra a Roménia, cujas imagens não vimos em direto por falha da transmissão, mas que a voz inconfundível de Rui Tovar nos trouxe com uma nitidez igual à de quem assistia ao jogo no estádio. Já sem interrupções, lembro-me bem de como, lá em casa, todos estivemos colados duas horas à televisão, encantados pelo talento de Chalana, Jordão, Jaime Pacheco, Sousa, Álvaro e companhia, que quase arrumavam com a não menos talentosa França de Platini, Tigana e Giresse.
E como não deixar de me emocionar ao recordar aquele golão de Luís Figo, o primeiro da reviravolta contra a Inglaterra, no jogo inaugural do Euro 2000? Eu estava lá, no Philips Stadium de Eindhoven. Como estava em Vitesse, no dia em que Costinha voou para acabar com a Roménia e nos dar, ao segundo jogo, a passagem aos quartos-de-final. E não esqueço a “banheira” de Roterdão (o mítico De Kuipp) e do “banho” que uma seleção B de Humberto Coelho deu à Alemanha. E recordo com imenso carinho que foi nas bancadas do Arena de Amesterdão, que o Afonso viu seu primeiro jogo de futebol, com apenas um ano e meio. E que, para o fazer, viajou, na véspera, de avião, mesmo ao lado do Eusébio. E logo para ver Portugal ganhar à Turquia e apurar-se para a meia-final com a França, no Estádio Rei Balduino, em Bruxelas. E, nesse dia, eu também lá estava. E não esqueço que poucas derrotas me custaram tanto a aceitar. Nem mesmo as do meu clube.
Mas mais engasgada está ainda a derrota de 2004. Depois de um mês glorioso em que tive a honra de pertencer à organização do melhor campeonato da Europa de todos os tempos e que, por estar destacado no Estádio Algarve, acompanhei a carreira da seleção pela TV, pude finalmente ver a equipa ao vivo. Naquela tarde, o novo estádio da Luz fazia lembrar o velho, naquelas outras tardes e noites em que, a abarrotar pelas costuras, ajudou Portugal a vencer o Mundial sub-20, em 1991. E essa recordação fez-me acreditar que, apesar das minhas desconfianças, íamos ganhar à Grécia. Era a oportunidade de uma geração de ouro cumprir o seu sonho. Figo, Rui Costa, Pauleta, Costinha, Nuno Gomes tinham ali a sua hora de conseguir o que ficara por conseguir quatro anos antes. Cristiano Ronaldo, Deco, Simão, Miguel, Ricardo Carvalho ou Jorge Andrade juntavam juventude, pulmão e talento. E a alma de Scolari faria o resto.
O resultado foi o que todos nos lembramos. A melhor equipa não conseguiu vencer. Como em 66, 84 e 2000. Três gerações dos mais brilhantes jogadores acabaram as suas carreiras sem o merecido título internacional pela seleção. Lá está, uma das maiores injustiças da história do futebol, que urge, agora, emendar. E se, por ironia do destino, tiver de ser uma equipa que não joga tanto à bola como aquelas a trazer o caneco, pois que seja. É que, mesmo não sendo crente, há uma coisa que eu sei: a justiça tarda, mas não falha.