Social democracia sempre é o mote do não renovado PSD.
No seu congresso lá estava: “social-democracia sempre”. Ora, a palavra sempre diz respeito a todo o tempo passado e a todo o tempo futuro.
Aqui, a fidelidade no futuro aos princípios da social- -democracia depende da ação política do PSD, mas aprende-se, na área científica em que me formei, que a melhor previsão acerca do comportamento futuro de uma pessoa ou de uma instituição é analisar o seu comportamento passado.
Passos Coelho, que lançou o mote, encomendou em 2011 um projeto de revisão da nossa Constituição (CRP), o qual, basicamente, a transfigurava e, nesse sentido, destruía os pilares essenciais do Estado social, essa conquista exigida também – e precisamente – pela social-democracia. A encomenda representava uma facada mortal no Estado social, o qual se concretiza na nossa lei fundamental de uma forma banal, em nada dirigista, acompanhando as constituições modernas que nos rodeiam.
Sabemos que foi feita uma campanha desesperada durante quatro anos no sentido de que a CRP seria um entrave à governação, mas a campanha teve de ser feita porque a governação de Passos Coelho precisava de doutrina embaraçada para justificar os números históricos de inconstitucionalidades declaradas com base em princípios alegadamente “dirigistas” como o da igualdade, imagine-se.
Passos Coelho, o então futuro primeiro-ministro, anunciou, nesta encomenda de destruição da social-democracia constitucional, aquilo que viria a ser o seu comportamento igualmente demolidor dos princípios agora erguidos numa afirmação contraditória.
Foi, assim, o aviso, para quem esteve atento, do seu comportamento futuro, esse que se traduziu na sua governação baseada num liberalismo selvagem e empobrecedor de que não tínhamos memória.
A sua encomenda constitucional (a qual de resto seria inconstitucional) traduzia-se nesta social-democracia: despedimentos sem garantias; educação tendencialmente privada; fim da uma rede pública de estabelecimentos de ensino; liquidação da tendencial gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde; entre outras pérolas.
Em coerência com este pensamento (anti) social-democrata, governou.
O seu comportamento passado, expressado numa visão, essa sim, dirigista da lei fundamental, casou com o seu comportamento como governante.
A tal da social-democracia tem mínimos, como a garantia de serviços universais, a consolidação da classe média como condição de combate à pobreza, a defesa de um sistema que garanta a proteção das pessoas, com segurança, após a sua reforma ou aposentação, ou a defesa da dignidade do trabalho.
Nos anos de governação de Passos Coelho, assistimos a isto, numa ideologia clara e traduzida em números históricos: ataque à classe média; empobrecimento como alegado motor de crescimento; ataque sistemático aos serviços públicos e degradação da administração pública; abolição das prestações sociais mais eficazes no combate à pobreza; roubo inconstitucional de pensões e reformas numa alegre para além da troica; ou, entre tantos exemplos possíveis neste mergulho a fundo num inovador extremismo, à precarização do trabalho, com a assumida convicção de que trabalho sem dignidade é coisa boa para o investimento.
Agora, já na oposição, Passos Coelho não apresentou uma única proposta de alteração ao Orçamento do Estado.
Demitiu-se de expressar democraticamente em ação parlamentar a tal da social-democracia e chumbou todas as medidas de cariz social.
Para que se perceba o alcance da social-democracia sempre, o PSD liderado por Passos Coelho disse não à devolução da sobretaxa, disse não à reposição dos salários, disse não ao aumento do complemento solidário para idosos, disse não ao aumento do desprezado rendimento social de inserção, disse não ao aumento do abono de família, disse não ao aumento do subsídio social de desemprego, disse não à gratuitidade dos manuais escolares, disse não ao alargamento da tarifa social energética e disse não, nos seus convictos chumbos sociais democratas, à redução do IMI.
Numa frase, o que há de social-democrata no Orçamento do Estado em vigor mereceu de Passos um repúdio, de resto, assombrosamente coerente.
Social democracia sempre?
Nem às vezes.